sexta-feira, 29 de junho de 2012

Larga o Toddynho


Mais essa agora... açúcar demais emburrece! Não, não estou brincando. Eu li a notícia nos jornais e a estou analisando. A matéria que eu li dizia assim, ó: “Comer açúcar demais pode consumir toda a energia cerebral, revelaram cientistas americanos”. Sabe aqueles torrões de açúcar que a gente vê nos filmes os fazendeiros dando para os burros, perto do celeiro? Pois é... então... eu sempre achei que os paquidermes comem açúcar porque são burros, mas, na verdade, é pelo fato de comerem açúcar que os burros são burros, e não é por serem burros que inerentemente devoram açúcar, entendeu? Não? Largue já esse Chokito e leia tudo de novo!
Após muitas pesquisas feitas com ratos (sempre eles), os tais cientistas perceberam diferenças entre a qualidade da memória dos que consumiam muita frutose e a daqueles que se abstinham de devorar doces. Fico a supor que os ratos que não comiam doce são da estirpe do Mickey Mouse, do Jerry e de outros exemplares que sabidamente falam, usam o cérebro e fazem sucesso no cinema. Já os ratos burros, aqueles que se lambuzam de doçuras, apenas engordam e jamais saem do anonimato, restringindo suas biografias às paredes assépticas dos laboratórios e à espera ansiosa pela sobremesa.
Os ratos corujas, ou seja, os espertos, ficavam só no salgadinho e conseguiam se safar mais rápido dos labirintos do que os ratos burros roedores de mandolate. O que os espertos não contam é que, para isso, faziam uso ilegal de aparelhos de GPS contrabandeados para dentro do laboratório por ratazanas devoradoras de sal grosso, espertíssimas. Dizem os cientistas que o organismo consome muita energia tentando debelar os açúcares ingeridos, o que roubaria o combustível necessário para manter o cérebro ativo, embotando as faculdades cerebrais do indivíduo devorador de doces. Sabe aquela salada de frutas com sorvete, mãe, que eu comia para ganhar energia antes das provas de química, matemática e física no segundo grau? Pois era isso! O que me fazia levar bomba era justamente a bomba de calorias açucaradas que eu devorava para ficar mais ligado! Burro, eu! Sorte que os vestibulares jamais são aplicados logo após a Páscoa!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de junho de 2012)

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Prefiro os tiranossauros



A vida em sociedade neste início de século 21 é tão perigosa e selvagem quanto a de meus ancestrais que, um milhão de anos atrás, precisavam fugir de dinossauros e esquivar-se do pipocar de pedras fumegantes expelidas pelos vulcões. Dia desses, saí a pé de um restaurante logo depois do almoço, em dia de semana, e estanquei à beira da faixa de segurança, aguardando o melhor momento de cruzá-la, já que faixas de segurança costumam ser um dos lugares mais perigosos para se estar no trânsito brasileiro.
A oportunidade de passar surgiu quando o motorista de uma van escolar parou e me fez sinal para atravessar (em Estocolmo, basta colocar o pé na faixa para que a primazia seja do pedestre, mas eu sei que vivo em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil, América Latina, e ainda não estamos preocupados em importar cidadãos civilizados e muito menos em produzi-los por aqui mesmo). Dei início à minha travessia, mas ela foi bruscamente interrompida na outra metade da rua pelo cruzar ensandecido de um veículo dirigido por um psicopata motorizado que por muito pouco não foi responsável por obrigar o editor do Pioneiro a buscar outro cronista para me substituir neste espaço.
Só não fui atropelado cruzando a faixa de segurança (como ocorreu, por sinal, de forma fatal, com meu pai em Ijuí, anos atrás) porque, encarapitado sobre a agilidade corporal que meus 45 anos de idade ainda me proporcionam, ginguei o corpo e me protegi do bólido assassino, não sem antes exclamar “caaaaaalma, caaaaaalma!”. Ao que recebi em resposta, já metros adiante, do condutor psicopata, um sinal obsceno ofertado por seu braço janela afora.
Resumo: o brucutu quase me atropela na faixa de segurança e ainda se julga no direito de me ofender. Fantástico! Pior é que provavelmente se trata de pessoa com família, emprego fixo, perfil no facebook, querido pelos amigos, amado pela mamãe, indignado com a corrupção no país etc. Só que não passa de um psicopata sobre rodas. É, tá feia a coisa. Chego a invejar aqueles meus ancestrais que tinham de se esquivar somente de tiranossauros-rex. Esses, ao menos, não se camuflavam de gente.
 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de junho de 2012)

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Refúgios tranquilos



Existem lugares mágicos que surgem em momentos diferenciados da vida, ampliando o conceito de mistério, despertando a curiosidade, instigando a imaginação. Mistério, curiosidade e imaginação são elementos fundamentais para o exercício da criatividade, ferramenta que sempre se revelará útil na resolução de problemas e na geração de alternativas nas encruzilhadas do caminho de cada um. Esses lugares podem de fato existir e sonhamos em visitá-los, ou mesmo podem apenas habitar espaços no mundo da fantasia, mas sempre estarão lá, emitindo um irresistível chamado aos ouvidos de nossas almas.
Nos cursos de meditação que eram febre nos anos 1980, aprendíamos a criar um “refúgio mental”, um lugar aprazível para onde nos transportávamos mentalmente quando nos púnhamos a fazer sessões de relaxamento. O meu reportava à fazenda que meus pais e avós possuíam em sociedade no interior de São Borja, com grama, árvores, barulhinho de água corrente em riacho límpido, algazarra de caturritas, cigarras e grilos, uma rede e uma laranja-do-céu. Por meio da leitura de gibis e livros, almejei passear por lugares fantasiosos como Patópolis, o planeta Krypton, Gotham City, o sítio da avó do Pedrinho, o país maravilhoso onde Alice caiu, a região da Mancha palmilhada por Quijano, o império de Kublai Khan vasculhado pelo Marco, o apodrecido Reino da Dinamarca que oprimia o filho da rainha Gertrudes, os mares distantes singrados pelo Pequod atrás do alvo cachalote, a Liliput dos pequeninos, a ilha de Sexta-Feira, a Pasárgada do poeta, a Rua dos Douradores, a Tapariu do cronista caxiense etc.
Hoje, o pesar da saudade me faz desejar refazer visitas que se tornam impossíveis devido às ações protagonizadas pela passagem do tempo, como a já citada fazenda são-borjense (o “Rincão da Ferradura”), o pátio sombreado pela timbaúva no lar de minha infância na Rua dos Viajantes, os arbustos que escondiam ninhos de Páscoa na casa enxaimel de minha avó, a horta repleta de moranguinhos sem agrotóxicos na casa da outra avó. Sorte nossa, a dos seres humanos, de possuirmos vastos hectares no interior de nossas mentes para abrigar essas paragens sem fim, panacéias a favor da sanidade do espírito.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 15 de junho de 2012)


sexta-feira, 8 de junho de 2012

Polpa aos pássaros



Viajando um domingo à tarde pelo romântico e bucólico interior de nossa região rumo a Criúva, a fim de visitar o túmulo da poetisa Vivita Cartier, patrona da cadeira 11 da Academia Caxiense de Letras, chamou-me a atenção um detalhe nesse quadro de belezas naturais ao qual somos privilegiadamente submetidos na Serra gaúcha. Tanto à beira das estradas vicinais quanto nos pátios das residências, mesmo nos perímetros urbanos, as árvores frutíferas exibem exuberantes a generosidade de seus carregamentos de frutas, praticamente intocadas. Em diferentes épocas do ano, estão lá os cáquis, as laranjas, as bergamotas, as uvas, as ameixinhas e tantas outras, adornando os galhos de suas árvores-mães como se fossem enfeites de um eterno e renovável Natal natural, oferecendo as doçuras de seus sabores... aos pássaros e aos bois!
Que festa devem fazer nesses dias de hoje os pardais e tico-ticos, tendo à disposição a fartura dos cardápios frutais sem que tenham de negociar as melhores laranjas de amostra com nenhuma criança escaladora de árvores, sedenta por arrancar as maçãs e os pêssegos do pomar da vizinha e levar para casa o suculento butim. Décadas atrás, quero-queros e caturritas precisavam disputar gomo a gomo com gurizada de joelhos esfolados e bodoque no bolso dos fundilhos dos calções as riquezas coloridas ofertadas nos galhos das árvores frutíferas. Mas, agora, está lá tudo para eles, os pássaros, uma vez que a meninada de hoje tem interesses e gostos diversos.
As crianças de ontem, que são os adultos atuais, não possuem o tempo necessário para se enfiar sob a sombra das árvores e arrancar os frutos para saboreá-los junto ao pé. Já as crianças de hoje, que teoricamente disporiam desse tempo por não precisarem se envolver na luta diária pela sobrevivência de suas famílias, gastam as horas livres de suas infâncias se enfurnando dentro dos quartos de suas casas, conectadas à internet, por meio da qual criam fazendinhas virtuais onde plantam e cultivam pomares repletos de frutas coloridas, insossas, inodoras e intangíveis. Devoram é sacos e sacos de salgadinhos, fáceis de abrir, desnecessários descascar. Já a passarada lá fora se lambuza e pia “amém”.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 8 de junho de 2012)

sexta-feira, 1 de junho de 2012

A cor que dá na telha



A cor era telha! Minha esposa chegou em casa, vinda do salão de beleza, e anunciou, estendendo o par de mãos para a frente, os dez dedinhos em ordem unida: “ó, cor telha”. Telha! Então tá, a cor da semana era, então, telha. Semana passada foi “sedução”, a cor. E, na anterior, pelo que me lembre, as unhas haviam chegado em casa embaladas pela insinuante cor “deixa beijar”. Mas já houve “Gabriela”, “mistérios do destino”, “picolé”, “flor do deserto”, “verde ninja”, “mostarda atômica”, “pura luxúria”, “Helena de Tróia”, “musa”, “toque de ira” e muitas outras.
É fascinante esse universo criativo e inesgotável em que se transformou o batizado de cores de esmalte para as unhas femininas. É divertido para elas isso de colorir as unhas cada vez não só com uma cor diferente, mas também alternando nomes que evocam estados de espírito, desejos, intenções, promessas. Trata-se de uma nova forma de comunicação subliminar distribuindo mensagens e definindo posturas de uma maneira delicada, sutil, elegante, charmosa. Preste mais atenção quando uma mulher lhe aponta o dedo.
Que estimulante esse mundo feminino pautado pelo uso desenfreado das cores. Cores nas unhas, cores nos lábios, cores nas pálpebras, nos cabelos, nas sobrancelhas, nos cílios, nas orelhas por meio dos brincos, no pescoço com os colares, nas mãos, pulsos e braços utilizando-se de anéis, pulseiras e acessórios variados, no corpo inteiro com o inesgotável leque de possibilidades oferecido pelas combinações do vestuário. Até em dias de chuva as mulheres têm a opção de escapar da sisudez de um tempo enferruscado abrindo suas sombrinhas amarelas, roxas, alaranjadas, tigradas... Nós, opacos homens, enfrentamos os pingos com nossos casmurros guarda-chuvas pretos, pretos desbotados, pretos escuros, pretos e pretos.
Não estou aqui confessando nenhuma intenção reprimida de passar a pintar minhas unhas. Sou cronista igual ao Fabrício Carpinejar, sou homem igual ao Fabrício Carpinejar, tenho unhas igual ao Fabrício Carpinejar, mas não as pintarei igual ao Fabrício Carpinejar. E não é por nada não, mas é que já se trata de marca registrada dele... Eu que vá inventar a minha. Quanto custa uma sombrinha amarela?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 1 de junho de 2012)