sexta-feira, 27 de julho de 2012

Além das uvas


Não estou preocupado com a possível extinção do objeto livro enquanto plataforma de leitura ainda presente na vida dos cidadãos do futuro. Conforme lucidamente resume um colega amigo meu, poeta e cronista, “essa não é uma discussão válida”. Preocupa-me, isso, sim, é a possível extinção do bicho-leitor enquanto ser habituado a exercitar a leitura como prática essencial para sua formação pessoal e instrumento de transformação interior. E vou além. Leitor não é somente aquele bicho que lê, mas, sim, é aquele que compreende o que está lendo.
Um leitor que pretenda se dizer leitor precisa ser capaz de compreender o que está escrito, e isso nem sempre é tarefa fácil (para ser leitor, já vou avisando, caro leitor, é preciso deixar a preguiça de lado). Por mais simples que possa parecer, uma sentença pode não estar dizendo exatamente aquilo que aparenta dizer, e/ou pode estar informando muito mais do que se imagina. Vejamos o que acontece com a conhecida frase “Vovô viu a uva”. Bastante simples, não? Mas o que exatamente o autor quer dizer quando escreve essas três palavras nessa ordem? Primeiro: o que é um “vovô”? A princípio, é um ser humano do sexo masculino que possui netos. Pode ser. Mas pode também ser uma metáfora para uma pessoa mais velha que, devido à sua aparência, evoca a figura de um avô. Supomos, a partir disso, que o personagem da ação é uma pessoa idosa a observar uma uva. Mas espere. O que é exatamente uma pessoa idosa, que possa ser metaforicamente chamada de “vovô”? Quantos anos a pessoa precisa ter, no mínimo, para parecer idosa? Bem, depende dos olhos de quem a vê. Sou idoso aos olhos de meu sobrinho que mal completou 60 dias de vida. Mas me vejo jovem se comparado à idade octogenária de meu próprio avô.
Portanto, “vovô viu a uva”, meus caros leitores, encerra mistérios que vão muito além daquilo que está aparentemente grafado, e isso que ainda nem avançamos além da primeira palavra da sentença. Ele viu um gomo de uva ou um cacho inteiro? Uma foto, um desenho ou uma fruta na parreira? Depois disso, me pergunto... quantos ainda ousarão permanecer na trincheira da leitura?
 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de julho de 2012)

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Questão de crédito


Refletindo sobre o assunto em um de meus filosóficos banhos embaixo do chuveiro, nesses gélidos dias em que o lugar mais aconchegante é justamente sob os pingos que descem quentinhos enquanto o box do banheiro se transforma em réplica de uma esquina londrina sob denso fog e o contador de luz lá fora gira feito carrossel desgovernado, cheguei a uma conclusão. Pelo menos, não gastei água e luz à toa. Percebi que o elemento que prioritariamente deve pautar as relações comerciais entre as pessoas é a credibilidade, em todos os seus desdobramentos possíveis dentro desse setor.
Por parte do cliente, é preciso haver credibilidade no que tange ao cumprimento fundamental de sua parte, que é honrar o compromisso financeiro que ele assume ao adquirir um produto ou um serviço. Da parte do fornecedor de produtos ou serviços, o espectro das obrigações que lhe cabem, pelas quais precisa prover credibilidade, é bem mais amplo, passando pela qualidade daquilo que oferece, pelo cumprimento de tudo o que prometeu na hora da venda, pelo atendimento cortês e por aí afora. Não se admite vender gato por lebre.
Se o estabelecimento afirma ser uma galeteria, os garçons devem lotar o seu prato com unidades fumegantes e cheirosas de galetos prontos para o consumo. Se vem polenta junto, é outra história, mas, convenhamos, é preciso haver galeto. Se sobre a porta de entrada do estabelecimento está escrito “Livraria”, espera-se encontrar lá dentro obras literárias prontas para serem adquiridas e lidas, e não apenas lápis, borracha, apontador e mochila com rodinhas. Se a placa diz “Tudo por R$ 1,99”, devo entrar e supor que aquele cobiçado Playstation ali na prateleira custa isso e pode ir baixando dez que vou presentear até a Tia Carolina, que sequer sabe manusear um joystick.
Se a moça no pavilhão me chama dizendo que a revista é brinde, pego o exemplar e saio andando. Não adianta vir atrás querendo condicionar o “brinde” à assinatura de um dos títulos da editora. E gosto de pagar no caixa exatamente o valor que a mercadoria apresentava na prateleira. Ah... e de receber o troco bem certinho, para depois possuir todos os centavos que me permitem cruzar o pedágio, né.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 20 de julho de 2012)

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Escrever para não ser lido


Toda aquela criatura que se dedica à estranha tarefa de escrever obras literárias, sejam elas do gênero que forem, possui a não menos estranha e nada secreta vontade de ser lida pelas demais pessoas existentes. Quando esse fenômeno se concretiza, ou seja, quando sua obra se transforma em livro publicado e se empoleira nas prateleiras das livrarias, sendo adquirida pelos seres humanos que se põem a lê-la (categoria que conhecemos pela denominação de “leitores”), o ciclo se fecha e aquelas tais criaturas começam finalmente a se sentir e a se ver no espelho como “escritores”. Escritor, portanto, é esse ser que escreve, publica suas obras e chega aos leitores por meio delas, sendo lida. Quando isso não acontece, ocorre frustração, e muitas são as pedras que rolam para o meio dessa senda, esburacando-a e tornando as jornadas dos escritores bastante trabalhosas. Ainda mais quando eles são brasileiros, e vou mostrar a razão.
O problema, então, é conseguir chamar a atenção dos leitores e ser lido. Tarefa cada vez mais difícil, se atentarmos ao fato de que é cada vez maior o número de obras editadas no país e que disputam espaço e principalmente a atenção dos tais leitores. É uma competição bastante cruel especialmente para os autores que escrevem em língua portuguesa e que, pior ainda, nascem e residem e produzem no Brasil. Além de terem de disputar entre eles mesmos a boa vontade dos tão cobiçados leitores, os escritores brasileiros precisam primeiro derrotar a atenção despertada pelas obras dos escritores estrangeiros e, depois, conseguir vencer a barreira do preconceito contra a literatura nacional, que infelizmente pauta boa parte das escolhas dos leitores nacionais.
O famoso lugar-comum que reza que tudo o que vem de fora é melhor do que seus similares locais se alia ao adágio popular de que santo de casa não faz milagre para, juntos, infernizarem a vida dos escritores verdamarelos. Tenho amigos bibliotecários e amigos livreiros que várias vezes já me relataram episódios ocorridos nas bibliotecas e livrarias locais, de leitores que se interessam demais por determinada obra, mas imediatamente a refutam quando descobrem que seu autor é caxiense ou mesmo brasileiro. Preferem, obviamente, levar para casa um escritor estrangeiro. Que seria da “Montanha Mágica” ou de “Cem Anos de Solidão” se tivessem sido escritos por mim? Ego à parte e comparações colocadas em seus devidos lugares, a queixa é válida.
Mais um dado. Os livros traduzidos representam 30% do mercado editorial brasileiro, em termos de literatura de ficção. Ou seja: aqui no Brasil, 30% das obras publicadas são de autores de fora. Índice alto se comparado com os Estados Unidos, o maior e mais cobiçado mercado livreiro do mundo, onde apenas 3% dos livros editados são de autores que não escrevem em inglês e precisam ser traduzidos. Na Inglaterra, o índice é de apenas 5%. Ou seja, não somos lidos nem aqui e nem lá fora. A França tem um público leitor menos centrado e mais curioso, consumindo 50% de traduções, mas trata-se de uma exceção.
Como disse recentemente o escritor paranaense Cristovão Tezza em seminário literário promovido pela Biblioteca Pública Municipal em Caxias do Sul, “a literatura não é algo exigido socialmente”, ou seja, não é uma necessidade requisitada pela população. As casas dos escritores não são acossadas por famintas turbas de leitores ávidos por ler seu próximo romance, que o acordam aos gritos de “escreve, escreve, escreve!”. A gente segue escrevendo é de teimoso mesmo. E talvez pelo prazer de semear pérolas para raras estrelas, que é quando se dá enfim a magia.
(Texto publicado na seção "Planeta Livro" da revista Acontece Sul, edição de julho de 2012)

sexta-feira, 13 de julho de 2012

(Re)Aprender a ler


Nesses nossos tempos de internet, em que se julga possível transmitir uma ideia, uma filosofia, um conceito, um argumento, um ponto de vista, dentro de um limite de apenas 140 caracteres (essa frase inicial, portanto, já estaria fora), me parece ser necessário rever alguns fundamentos que até bem pouco tempo atrás ainda regiam os atos da leitura e compreensão de textos um pouquinho mais longos. E quando escrevo “um pouquinho mais longos” não estou pedantemente a invocar mágicas montanhas de Thomas Mann nem demandas proustianas atrás do tempo que se perdeu, e sim, tão-somente, pequenas croniquinhas como as que exercito neste espaço e que, via de regra, exigem do leitor não mais do que cinco minutos de sua atenção.
O primeiro problema, me parece, reside justamente aí: na falta de atenção. O leitor de hoje lê desatenta e distraidamente. Acostumou-se à linguagem pobre, direta, descomprometida, superficial e aviltante usada em chats, twitters, msns, torpedos, feicibúkis etc e, quando se depara com um texto tradicional, que lhe exige um mínimo de esforço de concentração para dele sorver a essência, bate a preguiça mental e já se perde no meio da maionese. E quando escrevo “leitor de hoje” não estou me referindo somente aos jovens que já nascem conectados, mas, sim, à grande gama de leitores de todas as idades que, por necessidade de conexão com o mundo informático moderno, também se inserem no grupo e acabam sofrendo do mesmo problema.
Para compreender um texto de 141 caracteres ou mais, é preciso um mínimo de atenção, de esforço, de entrega, de sensibilidade, de inteligência, de silêncio e até de um pouco de humor, para extrair dele a sua verdadeira essência, o seu sentido, bem como detectar o que se esconde por suas entrelinhas. Sem isso, sinto muito. Nem sempre a comunicação se estabelecerá. O autor, ao escrever, faz a sua parte. Mas para o interlocutor realmente se habilitar a ostentar o título de leitor, ele terá de fazer a sua. E a parte do leitor vai mais além e mais ao fundo do que simplesmente passar pelo texto os olhos e afirmar que o leu. É preciso envolver nesse processo também a alma. E a minha, por sinal, não cabe em 140 caracteres.
 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 13 de julho de 2012)

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Desagravo às amigas


Urge que eu protagonize aqui um desagravo a algumas senhoras amigas minhas, integrantes da Academia Caxiense de Letras, que vêm reiteradamente sofrendo caladas uma injúria provocada involuntariamente por este escriba neste espaço, sempre que ponho a verve a discorrer sobre as atitudes incivilizadas que protagonizam contra mim outras senhoras integrantes de grupo diverso, notadamente esse último destinado a bebericar bules de chá, devorar biscoitinhos nas tardes de sexta-feira e, via de regra, desancar meus escritos, os quais amiúde consideram pernósticos devido ao uso de termos empolados e à construção de períodos quilométricos que lhes exigem um fôlego de leitura não indicado para menores de sete anos. Retroalimentam elas esse asco contra minha pessoa literária a cada nova semana, ao lerem sofregamente meus textos enquanto sorvem literalmente seus chás, e não se furtam de expressar todo esse rancor endereçando-me missivas via correio, escritas à mão, em sedosos papéis pautados nos quais despejam uma elegante caligrafia destinada a compor deselegâncias que me descompõem linha a linha (as delas desancando as minhas, claro fique).
Temeroso de suas atitudes, venho sazonalmente publicando aqui alguns desenrolares desse desgostoso fato com o intuito de conscientizar os leitores da existência desse grupo hostil à minha pessoa, que deve ser minuciosamente investigado no dia em que eu aparecer combalido por algum bule de chá rachado em minha cachola ou outro atentado semelhante. Porém, já foram várias as vezes em que fui abordado nas quebradas da urbe por leitores simpáticos à minha verve desbragada que se apressam em me prestar solidariedade contra as más intenções das integrantes da Academia Caxiense de Letras, julgando serem elas as senhoras do chá às quais me refiro quando aqui refiro-me é às outras, às más. O que é um grave erro e um preocupante mal-entendido. As senhoras da Academia são minhas amigas fraternas e afáveis, é preciso que isso fique bem claro. As do chá, que me leem e se indigestam, são Fulana, Beltrana, Cicrana e Laureana, e externo os nomes dos bois para que se desfaça a celeuma e possa beber chá e me ler em paz quem assim o preferir.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 6 de julho de 2012)


segunda-feira, 2 de julho de 2012

TETRAEDRO reúne quatro cronistas caxienses



(FOTO: DANIEL HERRERA)

Quatro cronistas caxienses unem seus diferentes estilos de abordar o gênero literário crônica em um livro que reúne 48 textos (12 de cada autor), intitulado “Tetraedro”, em uma iniciativa literária diferente em Caxias do Sul. Lúcio Humberto Saretta, Marcos Fernando Kirst, Tiago Sozo Marcon e Uili Bergamin assinam em parceria a antologia que sai sob o selo da Editora do Maneco, em sessão de lançamento e autógrafos marcada para o dia 5 de julho, uma quinta-feira, a partir das 19h30min no Aristos London House, situado no térreo do Clube Juvenil, na Avenida Júlio de Castilhos, 1.677, esquina com a Marquês do Herval.
Com apresentação assinada pelo escritor porto-alegrense Luís Augusto Fischer, a obra oferece ao leitor quatro estilos distintos de exercitar a crônica, um dos gêneros mais apreciados pelos leitores brasileiros, presente na maioria dos jornais e revistas de norte a sul do Brasil. A crônica do cotidiano, a crônica filosófica e de discussão, a crônica de personagens e de costumes e a crônica esportiva ganham as páginas de “Tetraedro”, cujo título evoca a figura geométrica de quatro lados como uma metáfora para a união literária do quarteto de autores.
Além de publicarem crônicas em órgãos de imprensa de Caxias e região, os quatro escritores apresentam também em comum, em seus currículos, o fato de já haverem sido premiados, em diferentes ocasiões e em várias categorias, no Concurso Anual Literário promovido pela Biblioteca Pública Municipal de Caxias do Sul Dr. Demetrio Niederauer. Além de proporcionar prazer de leitura na fruição dos variados estilos, a obra fornece também um panorama geral sobre o gênero, que pode servir de ilustração didática nos momentos em que o tema é colocado em debate, especialmente em sala de aula. A obra estará sendo comercializada a R$ 25,00.

OS AUTORES

- Lúcio Humberto Saretta é formado em Comunicação Social pela PUC-RS. Autor dos livros “Alicate Contra Diamante” (2007) e “Crônicas Douradas” (2010), colaborou com diversos sites, entre eles, Final Sports, Campeões do Futebol, Papo de Bola e Olá! Serra Gaúcha. Já venceu duas vezes o Concurso Anual Literário de Caxias do Sul, na categoria Crônicas. Sua obra retrata o lado humano dos ídolos que fizeram história dentro e fora das arenas esportivas ao redor do mundo.
Fone para contato: 9115-0296

- Marcos Fernando Kirst é jornalista e escritor, autor de sete livros de não-ficção, entre eles “A História nas Estantes” (2007), “Geremia, Um Olhar de Pai Para Filho” (2010) e “Miseri Coloni: 30 Anos de Palco” (2011). Lançou em 2008 o livro infanto-juvenil “O Gato Que Não Sabia de Nada” e, em 2009, o romance “Dois Passos Antes da Esquina”. Venceu em 2010 o Concurso Anual Literário de Caxias do Sul com a Obra Literária “Em Silêncios”, de poesia. É cronista no jornal Pioneiro e escreve na revista Acontece Sul.
Fone para contato: 9156-8228

- Tiago Sozo Marcon é fotógrafo, escritor e arquiteto, formado pela UFRGS em 1999. Em 2009 e 2011, venceu o Concurso Anual Literário de Caxias do Sul, na categoria Crônicas. Publica crônicas no jornal A Gazeta de Caxias. A imagem da capa do livro é de sua autoria e foi premiada na Bienal Brasileira de Arte Fotográfica em 2008. Tetraedro é a estreia oficial do autor em livro.
Fone para contato: 9633-6546

- Uili Bergamin é autor de cinco livros, entre narrativas curtas e poesias.  Seu primeiro título, “O Sino do Campanário”, foi adaptado para o cinema e é um dos livros de contos mais vendidos do interior do RS. Também escreve para a revista Acontece Sul e trabalha na Biblioteca Pública Municipal de Caxias do Sul, onde coordena ações como as “Rodas de Leitura” e “Livros para Ouvir”, esta última finalista do Prêmio Viva Leitura 2011, um dos mais prestigiosos do Brasil.
Fone para contato: 9167-8970