Noite dessas assisti a um programa interessante e inteligente na tevê a
cabo (ei, leitor, volte aqui, não estou sacaneando). Foi no Canal Futura (ahá,
começou a acreditar, né?), no qual não há novelas, nem programas de auditório,
tampouco (i)reality shows. O que há lá então? Há justamente isso: programas
inteligentes e interessantes, que lhe proporcionam alguma coisa útil em troca
do precioso tempo vital que você mansamente oferta ao tubo (hoje nem há mais
tubo) durante as horas de lazer nas quais opta por ficar anestesiado no sofá da
sala.
Tratava-se de um programa britânico em que a produção retirava durante
alguns dias uma família (composta pelos pais e quatro filhos) de sua casa e transformava
a habitação em um típico lar do início dos anos 1970. O ambiente foi remodelado
para receber de volta os moradores, que seriam monitorados durante um mês
vivendo ali restritos apenas às facilidades propiciadas pela tecnologia existente
na época. Que tortura, especialmente para as crianças, viver 30 longos dias sem
internet, sem computador, sem Playstation, sem telefone celular, sem mp4 e toda
a parafernália eletrônica que ocupa o espaço vital dos seres humanos desse
milênio. A cada três dias, o “relógio do túnel do tempo” avançava um ano,
permitindo a família acompanhar a evolução da tecnologia da época por meio de “presentes”
vindos da produção, como um freezer, um televisor preto e branco, uma máquina
calculadora, um toca-fitas.
Mas, muito além da questão tecnológica, a família é colocada em contato
com um estilo de vida diferente, que se esvaiu com o passar dos anos e ficou
plasmado em uma época que, a bem da verdade, nem está tão distante assim. O que
fazer quando falta energia elétrica na casa (bem, convenhamos, temos disso até
hoje), por exemplo? E como conviver em família sem se trancar no quarto para atualizar
a página do Facebook? Algumas reflexões ficaram para os protagonistas da
aventura e também para os telespectadores, em termos da necessidade urgente de
resgate de valores de convivência, que, se permanecerem relegados aos tempos da
calça boca-de-sino, seguirão nos conduzindo aceleradamente rumo ao precipício
da nossa própria desumanização.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 28 de setembro de 2012)