Há hoje uma onda de revisitação aos
tradicionais contos de fadas, reformatados para atrair o gosto das novas
gerações e renovar o apetite das velhas. Descobri que há uma sorte muito grande
no fato de nenhum irmão Grimm desgarrado ou La Fontaine genérico ter decidido
transformar a mim em protagonista dessas novas versões, pois que redundariam em
fabulosos desastres. Vejamos:
- Marcão e o pé de feijão: Eu
tenho medo de altura, sofro de vertigem, não conseguiria escalar sequer os
primeiros três metros do feijoeiro gigante que nasceria no quintal do
condomínio devido aos feijões mágicos atirados pela janela e ficaria pobre o
resto da vida, pois não teria a chance de furtar do Gigante, que mora lá no
topo, a galinha dos ovos de ouro.
- Cinderelo: Se eu tivesse de ir
ao baile depois de lavar a louça e esfregar o chão do apartamento, na esperança
de que meu pezinho tamanho 41 se encaixasse num sapatinho de cristal, não só a
princesa casadoura dona do castelo ficaria para titia como eu permaneceria no
formato abóbora, vegetando para sempre sobre meus surrados chinelões.
- Rapunzeldo: Minha esposa me
ameaça com tamancadas sempre que meu cabelo fica um dedo mais comprido do que o
socialmente aceitável para a imagem de um cronista, e me toca para a cadeira do
barbeiro. Impensável conseguir um dia produzir as tranças que levariam ao bom desfecho
da história.
- Bonezinho Vermelho: Adoro
cestas repletas de guloseimas, como aquelas presenteadas no Natal e Ano-Novo. Alguém
então acha que eu a levaria intacta à casa da Vovozinha? O Lobo Mau seria meu
convidado para o piquenique, no qual nos empanturraríamos e cochicharíamos
fofocas sobre o que dizem andar rolando na cabana da Branca-de-Neve e aquele
septeto de anões.
- O Pequeno Sereio: Tenho medo de
água, mal sei boiar ou fazer a rolha. Já me afogaria na primeira página e
infestaria a fábula toda com cheiro de peixe morto.
- O Belo Adormecido: Um beijo na
boca de alguém que está há anos dormindo sem nunca escovar os dentes? Quem se
atreveria a enfrentar o bafão? Princesa nenhuma. Um sapo, talvez, mas aí eu
passo.
Não, não... melhor permanecer
mesmo na vida real, onde, no meu caso, ainda tenho maiores chances de viver
feliz para sempre...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de janeiro de 2013)