segunda-feira, 30 de maio de 2016

Sol, caipirinha e bons sonhos

Salvador, Bahia. Sexta-feira da semana passada, dia 27 de maio, data mergulhada no feriadão de Corpus Christi. Nove horas da manhã e a praia já bombando sob um calor de mais de 30 graus, o sol intenso e sorridente pinicando minha pele, o guarda-sol fazendo uma sombra providencial ao banquinho em que repouso o copo de caipirinha gelada. Caipirinha gelada às nove da manhã? Sim, madama, sim. Na praia, pode. Em Salvador, à beira-mar, sob um sol de 36 graus (fui conferir no termômetro da barraquinha de venda de acarajé), pode. Não só pode, como deve. Ah, que delícia esse calor, esse sol, essa luz, essa caipirinha, esse despertador que não para de tocar... Droga! Acordei!
Caxias do Sul, Rio Grande do Sul. Sexta-feira da semana passada, dia 27 de maio, data mergulhada no feriadão de Corpus Christi. Nove horas da manhã e a neblina toma conta de toda a cidade, sob um frio de oito graus, nenhum vestígio de sol, apenas uma sensação de gelo picado pinicando minha pele, mesmo entrouxado em pijama, chinelo de lã, chambre e ceroulas (eu não uso ceroulas, madama, mas a imagem surte lá seu efeito no desenrolar da crônica, combinado?). Salvador ficou no sonho. A realidade é outra. Bem outra. Os compromissos se acotovelam na agenda e a caipirinha vai ter de ficar para o final de semana, quando e se alguém me convidar para uma feijoada. Até lá, realidade nublada pela frente.
Nublada ou, melhor dizendo, neblinada. Porque o que se vislumbra pela janela do escritório ao acordar é um imenso, convicto e inexpugnável... nada! Um nada só possível de ser tecido a partir do adensamento de uma neblina espessa, estacionária, profundamente alva e determinada a se manter envolvendo a cidade toda por ainda muitas horas depois de nascido o sol; um sol que ninguém vê e nem sente, mas que acreditamos, porque somos um povo de fé, que ainda exista e esteja a brilhar em algum lugar do planeta, além da neblina, sorrindo lá em Salvador, ao menos, que seja. Tomo uma atitude! Pego o telefone e me ponho a procurar números a fim de desmarcar os compromissos matinais que eu tinha de cumprir fora de casa. Afinal, com essa neblina, não se enxerga nada, acabarei me perdendo e indo parar em Farroupilha.

Mas, de repente, a esposa aparece vinda do nada e abre a janela. Não há neblina alguma. O dia é nublado, sim, porém, tratava-se do vidro que estava embaçado. Totalmente embaçado. Nem tanto a Salvador, nem tanto à Serra. “Nem tudo que reluz é loiro”, como dizia minha bisavó. As aparências enganam. Vamos ao trabalho. Suspiro profundo e aquela vontade de caipirinha...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de maio de 2016)

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