É difícil crer que a indústria alimentícia norte-americana
tenha conseguido incrementar a venda de espinafre enlatado a partir da década
de 1930, na esteira do sucesso do personagem Popeye nos cinemas (via desenhos
animados) e nos quadrinhos (via tiras de jornal e gibis). O marinheiro caolho
consegue obter uma força sobre-humana para enfrentar seu rival Brutus sempre
que engole o conteúdo de latas de espinafre, como bem sabemos todos os que
temos contato com a cultura pop gerada no século 20. Espinafre dá força? Ok, então,
vamos comer espinafre. Se não foi, ao menos esse deveria ter sido o mantra,
afinal, é preciso que essas coisas sirvam para algo útil.
Espinafre, ao menos, é possível encontrar nos
supermercados e nas feiras de bairro perto de casa, diferentemente da poção
mágica do druida Panoramix, que também concede força incrível para que os
guerreiros gauleses Asterix e Obelix desçam a lenha nas legiões romanas que
tentam conquistar toda a Gália na época do Império Romano de Júlio César. O
portentoso Obelix devora javalis assados inteiros nos festins ao final de cada
aventura, é verdade, e esse tipo de carne já é mais fácil de encontrar se
alguém desejar seguir o exemplo de seu herói do mundo da fantasia (o javali
viveu dias de glória na gastronomia da Caxias do Sul dos anos 1990, mas hoje
anda meio amuado nos cardápios). Já os admiradores de Garfield, o gato
alaranjado, encontram mais facilidade em se sintonizar com as preferências
gastronômicas do personagem, que é fissurado por lasanha. Os viciados em
hambúrguer podem não saber, mas estão rendendo loas ao Dudu, o amigo do Popeye,
que devora pilhas do lanche em questão de minutos.
A dupla de estômagos-sem-fundo Salsicha e Scubidu devora o
que vem pela frente, na quantidade que for. A Magali, amiga do Cebolinha, tem paixão
por melancia. Os patinhos Huguinho, Zezinho e Luisinho amam a torta de maçã
preparada pela Vovó Donalda. O Pateta engole superamendoins para se transformar
em super-herói. O gato Tom saliva por ratos como Jerry, apesar de nunca
conseguir saboreá-lo (mesmo drama vivido pelo Coiote que persegue o avestruz
Papaléguas). Por outro lado, a argentina Mafalda tem aversão aos pratos de sopa
empurrados por sua mãe e que são alegremente sorvidos pelo seu irmãozinho
Guille. O contraponto fica por conta dos brasileiríssimos Zeferino, Graúna e
Bode Francisco Orellana, habitantes da Caatinga criados por Henfil, cujos
estômagos roncam de fome mesmo. A moral disso tudo? Falar de comida, né,
madama, que é o que nos irmana e interessa, no final das contas.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 26 de setembro de 2016)