Eu sou um carnavalesco de fundo de sofá. Minha inserção na popularíssima
Folia de Momo se manifesta pela (e se restringe à) minha presença estática defronte
ao aparelho de televisão, por meio do qual faço aparições zapeadas alternadas e
intermitentes nos principais bailes de Rio e São Paulo e confiro em detalhes
(com as câmeras exclusivas) os melhores lances flagrados dos desfiles das
escolas de samba dessas duas capitais. Nos pisos dos boxes dos banheiros que ao
longo de minha meio-secular existência abrigaram os banhos pós-carnavalescos
que tomei jamais jorraram ralo abaixo quilos de purpurina, metros de serpentina,
glitter, cocares, tangas, sungas, abadás. Na totalidade das vezes, amanheci a
quarta-feira de cinzas de boca semiaberta, adormecido no mesmo sofá. E inteiro.
Sou um carnavalesco estático,
irrebolante, passível de ser confundido com um poste de iluminação no meio da
avenida ou do salão, uma fantasia que rimaria perfeitamente com toda essa minha
essência carnavalesca (José Deon, editor-adjunto do jornal “Pioneiro” que
generosamente abriga as minhas crônicas de segunda, certamente lê esta minha
confissão e esboça um meio-sorriso de canto de rosto ao recordar tempos idos e evocar
certos “queijinhos dançantes”, mas deixemos disso, não era Carnaval, Zé!). Minha
relação de espectador do carnaval televisionado teve início nos longínquos anos
1980, quando eu saía da adolescência e ingressava na alvorada da juventude.
Ligava a televisão (Telefunken) na sala de casa tarde da noite, sozinho, após a
família ter se recolhido a seus quartos, prevenido com um fenomenal estoque de
duas garrafas de cerveja geladas no refrigerador (Steigleder) e aguardava
ansioso o desfile de musas da televisão que inauguravam o glamour das rainhas das
baterias (Luma de Oliveira, Monique Evans, Luíza Brunet e tantas outras
desafiavam costumes e despertavam nossas paixões de sofá da sala do Oiapoque a
Ijuí). E tinha o comentarista Fernando Vanucci, que se gabava ao vivo de já ter
sido namorado de metade delas. A gente, claro, acreditava e invejava.
Mas o melhor de tudo eram os sambas-enredo. “Bumbum Praticumbum
Prugurundum”, “Explode coração, na maior felicidade...”, “Tem xinxim e
acarajé...”, “Diga espelho meu, se há na avenida...”, “Liberdade, liberdade,
abre as asas...” e tantos outros que passávamos a cantar de cor ao longo do ano
todo. Mas hoje? Ah, hoje, sou dono de novo sofá e nova tevê. E estou
preparadíssimo para varar mais uma carnavalesca madrugada... roncando, embalado
nos talentosos sambas-enredo de outrora... Boa festa!
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