Que tal, madama, aproveitarmos
esta crônica de segunda para iniciar a semana com os pés direitos (o seu e o
meu), refletindo sobre o que se pode depreender a partir de um continho
alegórico? Sim, a senhora está certa: alegoria é a apresentação de uma ideia de
forma figurada, tipo, dizer uma coisa mostrando outra coisa. Isso! Então, vamos
lá: nosso continho alegórico evoca as antigas lendas medievais envolvendo um
dos mais afamados cavaleiros da Távola Redonda, que eu sei que a senhora gosta
dessas coisas de espadas e brumas, e damas e sagas, e galanteios e cortesias, e
capas e véus, caras e coroas, escudos e lanças.
Parsifal, nosso destemido
cavaleiro andante, perambula pelo Reino de Avalon montado em seu cavalo
(cavaleiro mais cavalgante do que andante, mas vá lá) e ensanduichado em sua
armadura ataviada com elmo e espada, à procura do Graal. O Graal, como a madama
sabe, é o cálice sagrado no qual Cristo teria celebrado a Santa Ceia e que os
cavaleiros medievais procuravam incansavelmente nas antigas sagas, com a esperança
de, ao encontrá-lo, conquistarem grande poder. Ao longo da jornada, o próprio
cavaleiro vivenciava uma profunda transformação interior, independentemente de
encontrar ou não a relíquia. Pois bem, Parsifal, em certo momento de sua busca,
depara subitamente com o Castelo do Graal (cavaleiro dos mais sortudos) e
penetra em seus domínios. Lá, detecta que o reino, apesar de possuir o Graal,
está decrépito, caindo aos pedaços, da mesma forma que o soberano encontra-se fraco
e adoentado, à beira da morte. Estupefato, Parsifal emudece diante da cena e
vai embora, sem fazer a pergunta-chave que restabeleceria o esplendor do reino
e a saúde do rei.
Burro, esse menino, pois mais
tarde, quando percebe qual pergunta deveria ter feito, não consegue mais
encontrar o caminho de volta para o Castelo do Graal e fica vagando por anos em
meio às brumas de Avalon. Até que, pimba, reencontra de súbito o Castelo do
Graal, penetra lá de novo e, dessa vez, faz a pergunta certa ao rei: “Tio, o
que te aflige?”. Agora, sim, o reino volta a ter vida, o monarca se recupera e
Parsifal é sagrado o novo Rei do Graal. Tudo porque aprendeu o valor poderoso
da empatia, a capacidade psicológica de sentir o que o outro está sentindo e
ter compaixão por ele, demonstrando importar-se. A tradição sul-africana emprega o termo
“ubuntu” para designar o sentimento de humanidade para com os outros. Nossos
reinos contemporâneos talvez precisem de doses cavalares de ubuntu para evitar
a decrepitude a que podem estar sujeitos, não acha, madama?
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 10 de dezembro de 2018)
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