Quem é porco? Quem é cachorro? Quem é ovelha? Quem é
humano? Quais as diferenças entre eles? Quais as semelhanças? De acordo com
suas atitudes, um ser humano pode se assemelhar a um porco, a um cachorro ou a
uma ovelha, se, para efeitos de comparação fabulosa e metafórica, forem levadas
em conta algumas características atribuídas a esses animais. O porco é o ser
que atropela tudo movido pelo incontrolável desejo de saciar seus interesses
imediatos, resumidos a uma fome voraz (que, transposta para o universo humano,
pode ser entendida como fome de poder, de riquezas, de fama etc). O cachorro é
o bajulador inconsequente desprovido da proatividade do porco, mas que se alia
a ele para também atender a seus interesses próprios e de ascensão. A ovelha é
a grande população submissa, vampirizada pelos porcos e pelos cachorros, sem
iniciativa de reação; os inocentes úteis; a massa ignara.
O escritor britânico George Orwell (1903- 1950) criou uma
das mais icônicas obras da literatura contemporânea ao abordar a questão com
seu aclamado “A Revolução dos Bichos”, lançado em 1945. No original, o livro
intitula-se “Animal Farm” (“A Fazenda Animal” ou “A Fazenda dos Bichos”, em
tradução livre deste cronista). Ali, os bichos da Granja do Solar resolvem se
unir a fim de subjugar os humanos dominantes e assumir o controle da fazenda,
irmanados em um propósito inicial de solidariedade traduzido pelo lema “Todos
os bichos são iguais” (alterado mais tarde para “Todos os bichos são iguais,
mas alguns são mais iguais do que os outros”, à medida em que os porcos vão
traindo o movimento e se aliam aos homens, pelo poder). Quarenta anos atrás, em
janeiro de 1977, o grupo inglês de rock Pink Floyd lançava seu nono disco de
estúdio, intitulado “Animals”. Era um álbum conceitual (como quase todos os da
banda então liderada pelo baixista e compositor Roger Waters) claramente
inspirado no livro de Orwell, composto por apenas cinco faixas (três delas com
mais de dez minutos: “Dogs”, “Pigs” e “Sheep)”.
Nas letras das músicas de 40 anos atrás, Waters debruça-se
a analisar as nuances das gentes que se assemelham a porcos arrivistas, a
cachorros reacionários e a ovelhas submissas, e de como esses personagens
humanos protagonizam as mazelas do mundo. Nesses dias estranhos em que vivemos,
nada mais atual do que recolocar “Animals” do Pink Floyd para tocar no aparelho
de som e folhear de novo as páginas de “A Revolução dos Bichos”, que encerra-se
com a famosa frase “... mas já se tornara impossível distinguir quem era homem,
quem era porco”.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do SUl, em 23 de janeiro de 2017)
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