Minha
dúvida, madama, é a seguinte: não sei se é o mundo que vai ficando a cada dia
mais complexo ou se é a gente que vai emburrecendo à medida em que a velhice
avança. Sim, claro que uma coisa não elimina a outra, é possível mesmo que as duas
hipóteses estejam ativas e operem concomitantemente, e a senhora veja bem,
empregar o termo “concomitantemente” é uma maneira complexa de se referir à
simples expressão “ao mesmo tempo”, mas por que optar pela forma mais
complicada?
Pois
é, fico aqui matutando essas coisas depois de observar a palheta de cores
disponíveis no estojo de lápis-de-cor de meu afilhado de quatro anos de idade e
ser incapaz de reconhecer pelo nome a exata tonalidade a que o fabricante
pretende se referir em alguns lápis. Tem ali “azul turquesa”. O que é azul
turquesa? Uma espécie de azul criada pelos turcos? Os turcos criam cores? E, se
sim, criaram somente um tipo de azul? Ou existe o amarelo turquesa? O vermelho
turquesa? Eu nunca vi. Ou, se vi, não soube reconhecer como sendo. Nos meus
tempos, havia dois tipos de azul: azul claro e azul escuro, sendo um mais forte
do que o outro e pronto. O mesmo se dava com o verde: verde claro e verde
escuro. Não havia verde limão, nem verde mar. Mar é verde? Conheço mar azul e
mar marrom (nossas praias, né madama, que coisa). As paletas de cores se
resumiam ao básico do básico, como amarelo (os coleguinhas abastados já exibiam
o amarelo ouro, reconheço), laranja, vermelho, lilás, roxo, cinza, preto,
marrom. Até lápis branco havia, creio que para usar quando se estivesse
desinspirado ou com a alma descolorida. Mas era só.
Lembro
quando surgiu o ocre. Tratava-se de um marrom mais aguado, corzinha assim de
barro lavado ou de... de... enfim, o ocre era o ocre e ampliou, na
adolescência, minha capacidade de detectar as cores do mundo. Eu via ocre em
tudo. Era especialista em detectar ocre. Depois fiquei sabendo que alguns
vermelhos podiam ser classificados como púrpura, mais puxando para o roxo, um
híbrido de cores. Nessa linha de especificações e detalhamentos do vermelho,
agregou-se, anos mais tarde, o carmesim, cujo nome é tão poético quanto a cor
em si. E o fúcsia, que é outra forma de se referir ao magenta. Que sabia eu de
fúcsia, magenta, carmesim, púrpura, ocre, lá nos idos do jardim de infância, quando
o desafio maior era colorir corretamente as sete faixas do arco-íris que a
gravura colocava às costas de Noé desembarcando da Arca? As coisas eram mais
simples no nosso tempo e no de Noé, né, madama. Ah, sim, e mais descoloridas
também. Bom, tem isso...
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul,em 15 de maio de 2017)
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