A
coisa tem até nome. Parece que o termo correto e elegante é “gastronomia
contemporânea”. E vou dizer uma coisa para a senhora: agora, come-se até
flores. Sim, madama, acredite. Já apliquei para a senhora antes? Jamais! A
senhora ainda vai me agradecer por eu lhe alertar sobre essas coisas, evitando
que passe pelas situações embaraçosas nas quais me vejo às vezes enredado
justamente por não contar com um cronista benemérito que me previna.
Flores,
madama, decidiram que flor é artigo comestível. E come-se. Descobri isso noite
dessas em que me vi assentado, penteado e engomado, em uma mesa redonda repleta
de talheres e pratos sobrepostos, em evento de suma importância ao qual fui
convidado juntamente com a esposa. O jantar era à francesa, o que significa,
conforme a esposa pacienciosa e discretamente me ia explicando, que a comida
seria servida empratada pelos garçons, primeiro a entrada, depois a salada,
depois o prato principal, depois o segundo prato e daí a sobremesa. Nada
daquilo de se levantar correndo até o buffet posicionado no meio do salão e,
aos cotovelaços, disputar os melhores nacos de medalhão ao molho madeira e as colheradas
de purê de batatas, conforme estou habituado. Tudo bem, entendi o recado, tirei
os cotovelos de cima do prato após o joelhaço desferido por ela sob a toalha
alva e fiquei à espera, quietinho.
Chegou
a entrada. Havia um tijolinho de patê que minha esposa chamou de “terrine”; uns
fiapos de vinagre escuro espalhados pela base do prato, que ela batizou de
“aceto balsâmico” e... pétalas de flores encimando o conjunto. Ok, achei
bonitinho o arranjo, tirei para o lado as folhinhas coloridas e desandei a
destruir o tijolinho de patê a golpes de garfo. Sim, a terrine, madama, a
terrine. Quando terminei de comer, minha esposa cochichou em meu ouvido: “não
seja grosso, coma as flores, não as deixe no prato”. Comer as flores? Não perguntei
duas vezes. Ao ver que o joelho dela novamente se movimentava em minha direção,
engoli as florezinhas de uma só garfada.
Aprendi,
então, que flor se come. Ao menos, em restaurante, sim. Quer dizer, não é bem
assim, nunca é bem assim. Ontem, ao chegar com a esposa em outro
estabelecimento gastronômico integrado à rede dos “contemporâneos”, não tive
dúvidas ao sentar à mesa e ir atacando, de garfo e faca, o arranjo de flores
disposto em um vasinho no centro da mesa. Horrorizada com o gesto, minha esposa
rosnou: “não seja grosso, largue essas flores”. Mas, afinal, grossura é não
comê-las ou comê-las? Já não entendo mais nada. Preciso ir a uma
churrascaria...
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 1 de maio de 2017)
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