Naqueles remotos tempos de antanho, quando éramos crianças
e fazíamos aniversário, não existiam empresas especializadas na produção e
organização de festas infantis. Os palcos das reuniões dos amiguinhos, dos pais
dos amiguinhos e dos parentes (tios, avós, primos) eram as casas das famílias
mesmo, que em geral possuíam pátios e gramados pelos quais podíamos, depois de
cantado o “Parabéns” e engolidos alguns litros de refrigerante, sair correndo desenfreados
a brincar de esconde-esconde, pega-pega, chutação de bola, pula-corda e
assemelhados, cujo resultado podia-se verificar à noite na hora de dormir,
quando os joelhos esfolados eram apaziguados com a ardência do Merthiolate e os
assopros consoladores das mães.
Se chovia, a bagunça era dentro de casa mesmo e
arredavam-se cadeiras na sala para dar espaço à montagem do Forte Apache e das
pistas para corrida de carrinhos de ferro (Matchbox, não Hot Wheels), ou para o
esconde-esconde que resultava nas cortinas da casa emporcalhadas por mãozinhas e
bocas lambuzadas de brigadeiro e glacê. Corria-se muito. Gritava-se muito. Ria-se
aos borbotões. Caía-se às pencas. Levantava-se e voltava-se a correr. E a
gritar. E a dar mais uma acelerada rumo à mesa dos doces, ultrapassar a
barreira das pernas de algum tio esfomeado que atacava os croquetes e capturar
uma mãozada de docinhos produzidos pelas próprias mãe, tias e avós do
aniversariante. E de volta ao agito. Doce de confeitaria? Nem pensar! As já
citadas mães, avós e tias é que formavam o batalhão que rumava às cozinhas às
vésperas da data, para produzir as guloseimas que seriam fartamente consumidas
no dia aniversarial. A única telentrega de que se tinha notícia era a de amor e
afeto.
Ah, os bolos de aniversário configuravam um capítulo à
parte. Minha mãe e avós eram verdadeiras artistas e produziam esculturas comestíveis
tão belas quanto saborosas com massa de bolo, cremes doces, chantilly,
merengues, gelatinas e assemelhados. Certa feita, meu bolo de aniversário era
uma oca indígena, com índios de plástico do Forte-Apache dançando em volta (que,
felizmente, sobreviveram ao ataque voraz dos mocinhos e mocinhas esfomeados).
Em outra ocasião, o bolo era um tambor; depois, um relógio; um saloon de
bangue-bangue com a diligência puxada a cavalo; a cara de um palhacinho e assim
por diante.
Mas eram outros tempos. Hoje há quem faça e entregue. E
ainda bem, afinal, não há mais horas de sobra nos dias de ninguém. Só espero
não chegar a ver o tempo em que terceirizaremos também os convidados.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 17 de julho de 2017)
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