Fica difícil escrever sobre centauros em plena vigência do
século 21, uma vez que nós, cidadãos de nosso tempo, não acreditamos em
centauros. Seria mais fácil (e plausível) fazê-lo se ainda estivéssemos
mergulhados nas trevas supersticiosas da Idade Média, quando a maioria da
população era iletrada e as fronteiras do mundo conhecido raramente se
expandiam para além do perímetro das aldeias em que cada um carregava sua dura
vida, monótona e descolorida. Naqueles tempos pesados, era crível haver terras rudes,
além do horizonte, habitadas por gente exótica, falante de línguas indecifráveis,
em meio a criaturas maravilhosas como os centauros, a fênix, o unicórnio, as
sereias, os cíclopes, as salamandras, os silfos, dragões, harpias e sátiros.
Entre outras.
Não era necessário avistar um centauro para ter certeza de
sua existência a partir de relatos oriundos dos viajantes ou dos versos
cantados por menestréis errantes. Isso, naqueles tempos remotos. Hoje,
precisamos ver para crer e, assim, os centauros já não encontram mais lugar
para se assentar entre as coisas em cujo existir cremos e que moldam o cenário
de nosso mundo aceitável. Mesmo assim, falaremos sobre centauros, nos quais não
acreditamos. Os centauros são seres híbridos, formados pela metade de um homem
e a metade de um cavalo. O torso, a cabeça, o tronco até o ventre compõem a
parte humana da criatura, que se encaixa sobre o corpo de um cavalo, formando
uma figura bizzara. Um ser com rosto, peito e braços humanos sobre quatro patas
equinas é como resumiríamos, sem elegância, a morfologia de um centauro.
Os centauros habitavam as páginas dos bestiários,
compilações que na antiguidade se dedicavam a elencar os seres extraordinários
que povoavam terras distantes, a excitar a imaginação, alimentar os pesadelos e
cultivar o terror entre as gentes. O escritor argentino Jorge Luis Borges
(1899- 1986) dedica atenção a ele em seu “O Livro dos Seres Imaginários”, obra
em que procura listar alguns dos “estranhos entes que a fantasia dos homens
engendrou ao longo do tempo e do espaço”. Borges apreciava atentar a questões
como essa, apesar de também confessar sua falta de crença no centauro.
Por que, então, dispensar energia nos debruçando sobre uma
criatura em cuja existência descremos e que, para nós, não faz o menor sentido?
Ora, porque anda difícil para os cidadãos deste também sombrio século 21
acreditar em alguma coisa. Por via das dúvidas, talvez seja prudente guardar na
manga algum centauro no qual se possa voltar urgentemente a crer, pois não?
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 10 de julho de 2017)
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