Nós, madama, seres animados e racionais que somos,
parecemos passar grande parte de nossas existências dedicados à tarefa contínua
e interminável de transportar de um lugar para outro todos aqueles seres
inanimados que nos cercam, e que costumam ser maioria. Não, madama minha, não
me refiro àquele seu sobrinho que se imobiliza no sofá a tarde inteira e não se
mexe mesmo quando cutucado com a vassoura para que levante e pelo menos vá
tirar o lixo uma vez na vida para ajudar um pouco, pelamordedeus! Não, na
verdade, me refiro aos seres inanimados mesmo, às coisas sem vida, aos objetos
que criamos para que nos sejam úteis, mas que só o são quando reposicionados
nos lugares em que deveriam estar mas nunca lá estão, a não ser quando levados
por nós.
As canetas podem servir de exemplo fácil para ilustrar a
essência da teoria irrelevantista que pretendemos traçar hoje nesta desfilosófica
crônica de segunda. Elas, as canetas, nunca estão onde deveriam estar para que
nos sirvam com a devida utilidade para a qual foram concebidas. Precisamos
sempre trazê-las para que nos ajudem a fazer a lista de compras de
supermercado, ou traçar as contas de final de mês. Elas sabem que precisamos
delas sazonalmente nesses momentos, mas jamais se apresentam voluntariamente ao
alcance de nossas mãos para o serviço. Precisamos sempre buscá-las, nós, os
seres animados, a elas, essas determinadas inanimanças.
Outro exemplo vigoroso para ilustrar a tese são as compras
de mercado. Quanto serviço, quanta energia gasta entre as prateleiras nas quais
os produtos repousam e seu derradeiro estar dentro de nossas casas. Primeiro,
depositamos todos eles dentro do carrinho, que conduzimos por entre as
gôndolas. Depois, içamos todos para fora a fim de passá-los, um a um, pelo
leitor de código de barras operado pela moça do caixa. Feito isso, ensacamos a
turma e os depositamos todos de novo dentro do carrinho, que agora conduzimos
até nosso automóvel, estacionado no pátio do mercado. Abrimos o porta-malas,
tiramos do carrinho e metemos tudo lá dentro, um a um. Ao chegarmos em casa, se
moramos em prédio relativamente organizado, retiramos os produtos do
porta-malas e acomodamos tudo dentro do carrinho do condomínio. Subimos a nosso
apartamento, tiramos tudo do carrinho e finalmente levamos cada artigo para seu
destino final em nosso lar.
Alguém aí contou quantos movimentos foram necessários para
animar os inanimados? Que trabalho, hein, madama? Desanimador, eu diria! Opa,
madama... Volte! Para onde a senhora pensa que está levando esta de segunda de
hoje?
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 20 de novembro de 2017)
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