O
que você poderia esperar de um cara chamado Jud Fry, se você souber que ele
desconhece seus pais verdadeiros, foi criado a mão de ferro pela família de
seus patrões em um rancho interiorano, possui parca educação formal, trabalha
pesado de sol a sol e é dotado de um temperamento taciturno, rude e agressivo? Primeiro,
você vai manter distância regulamentar dele, claro. Depois, vai imaginar que
uma criatura dessas não poderá jamais inspirar nada de bom no mundo e, mais
tarde, terá de engolir seus próprios pensamentos, porque não é bem assim que as
coisas são. De que diabos estou falando? Siga lendo, estimada leitora, pertinaz
leitor, porque, como sabemos, isto é uma crônica de segunda e surpresas espreitam
a dois passos da esquina.
Jud
Fry, em primeiro lugar, não existe. Ou melhor, existe, porém, só no âmbito da
ficção. Ele é um dos personagens principais de uma trama muito popular nos
Estados Unidos nas décadas de 1940 e 1950, intitulada “Oklahoma!”, que virou
peça teatral musical em 1943 e acabou transposta para o cinema em 1955. A história
é simples: Laurey Williams é a filha do dono de um rancho no qual trabalha o
bom moço conhecido como Curly. Os dois se apaixonam, porém, entre eles,
interpõe-se o malévolo Jud, que também ama Laurey e faz o diabo para impedir
que o casal de apaixonados fique junto. Jud, pois, é o vilão da história.
No
entanto, alguns anos mais tarde, ele serviu de inspiração para o músico
britânico Paul McCartney solucionar uma passagem de uma das mais populares
canções dos Beatles de todos os tempos: “Hey Jude”, lançada em 26 de agosto de
1968, exatos 50 anos atrás. Paul compôs a música pensando em levar conforto a
Julian Lennon, então com cinco anos de idade, que se via deprimido frente à
separação de seus pais, John Lennon (que agora amava Yoko Ono) e Cynthia
Powell. “Hey, Jules”, primeiramente escreveu Paul, para conferir a sonoridade e
o ritmo adequados ao andamento melódico da canção (ao invés de “Hey, Julian”). Depois,
Paul decidiu transformar o personagem da letra em “Jude”, inspirado, como
revelou mais tarde, no nome do personagem de “Oklahoma!”, filme que muito o
marcara na adolescência. O grosseiro Jud do musical hollywoodiano, portanto, induziu
o florescer do lírico e encantador Jude dos Beatles. Afinal, sempre é possível
transformar uma situação ruim em algo melhor, basta não querer “carregar o
mundo em seus ombros” e tentar “fazer melhor, melhor, melhor”, conforme diz a
cinquentona canção, que, como esta crônica de segunda, encerra com infindáveis e
alegóricos “na, na, na, nanana...”.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 27 de agosto de 2018)
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