Determinado a iniciar o ano com o
pé direito e empenhado em tentar elevar o nível destes textos sabidamente de
segunda (ciente de que as leitoras, os leitores e a madama merecem algo mais do
que reiteradas tergiversações duvidosas sobre a qualidade do sagu servido na
Serra, sem, no entanto, incorrer no pecado de prometer jamais retornar ao salivoso
tema, aparentemente já cristalizado em crônica obsessão), ouso contar com a
póstuma anuência silente do poeta lisboeta Fernando Pessoa (1888 – 1935) para
reproduzir alguns de seus versos que, imagino, possam vir a calhar em vistas do
despertar de alguma reflexão relevante.
O trecho escolhido provém do
volume conhecido como “Fausto: Tragédia Subjectiva”, e diz assim (fôlego,
madama, e vamos à poesia): “Eu procurei
primeiro o pensamento,/ Eu quis, depois, a imortalidade.../ Um como o outro só
deram ao meu ser/ A sombra fria dos seus vultos negros/ Na noite eterna longe
dos meus braços.../ Eu procurei depois o amor e a vida/ P´ra ver se ali
esqueceria a dor/ Do pensamento e da ciência firme/ Da certeza da morte. Mas o
amor/ É para quem guardou a alma inteira,/ E não podia haver amor pr'a mim./
Depois na acção cega e violenta, onde eu/ Afogasse de vez toda a consciência/
Da vida, quis lançar meu frio ser.../ Mas aquilo da alma condenada/ Que me
fizera em tudo um espectador,/ De mim, do mundo, do que quer que fosse,/
Proibiu-me outra cousa que assistir/ Aos [...] dos outros e aos meus/ Friamente
de fora, sempre tendo/ No fundo do meu ser o mesmo horror.../ Ah, mas cansei a
dor dentro de mim.../ E hoje tenho sono do meu ser.../ Dormir, dormir, de
dentro d'alma, como/ Um Deus que adormecesse e cujo sono/ Fora um repouso de
tamanho eterno/ E feliz absorção em infinito/ De inconsciência boa”.
Como todo o poema tecido por
gênio, seus versos se prestam a infinítuplas interpretações. Uma delas (esta
nossa, de segunda,) pode nos levar a detectar na fala do narrador a reiterada tentativa
de buscar uma transformação interior. Algo o incomoda internamente, e ele procura
apaziguar esse incômodo saindo da zona de conforto (que lhe causa nítido
desconforto) para tentar agir diferente, mudando o foco, o rumo. O aspecto
relevante aqui é que o personagem-narrador ousa tentar mudar. Atitude crucial, se
admitirmos que o mundo externo é e sempre será um reflexo direto do mundo
interior que habitamos com as nossas psiquês, as individuais e as coletivas. Só
obteremos um mundo melhor a partir do momento em que nos tornarmos melhores nós
mesmos. Se não, não. Feliz 2019 (e com mais poesia, se possível)!
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caias do Sul, em 7 de janeiro de 2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário