Meus olhos brilharam
no momento em que a travessa contendo meia dúzia de rodelinhas de pien atracou
na nossa mesa em meio à profusão de delícias que eram arremessadas pelo garçom
à nossa frente, ao ritmo da descrição automática que fazia de cada iguaria:
“bígoli ao molho de pomodori, frango à passarinho, polenta brustolada, polenta
frita, polenta recheada, maionese, radicci com bacon (ahhh, o radicci com
bacon!!), tortéi, costelinhas de porco, queijo à milanesa, linguiça frita...”.
Tudo isso após a première proporcionada pela panelona de sopa de agnoline al
dente (ou será que era capeletti?), guarnecida por fofas fatias de pão colonial
(aquela casca queimadinha...) e chuviscada com vigorosos arremessos de queijo
ralado.
Esse festival
de sabores, aromas, cores e texturas gastronômicas, tão comum nas cantinas
tradicionais e típicas da região da Serra Gaúcha, faz o deleite de turistas e
de nativos, que não se cansam de, de quando em vez, ou mesmo de vez em quando
(que representa uma frequência maior), proporcionarem a si mesmos esses rituais
de homenagem à gula, que, quando bem domesticada, pode se transformar em prazer
perene e não em perigo iminente. Mas nós, nativos emprestados, oriundos de
outras paragens e serranos por adoção e opção, também nos unimos a essa horda
de apreciadores da gastronomia regional, caracterizada pelo assemblage sutil
que mistura simplicidade com toques secretos especiais herdados de nona a nona.
Certo, mas, o pien... Esse, um pouco mais raro de figurar na lista das delícias
dos restaurantes, sempre que aterrissa à minha frente, faz meus olhos
lacrimejarem. Mas não, madama, não chego a chorar de prazer. É a saliva mesmo
que, de tão abundante, procura outros lugares para se manifestar além da boca,
já totalmente inundada na antecipação do degustar da iguaria, que só vim a
conhecer pela aqui, desde que passei a habitar estas paragens, quase 28 anos
atrás. Ah, o pien!
Também foi ao
passar a viver na Serra Gaúcha que desenvolvi o gosto pela carne lessa, pelo
vinho doce oriundo das vindimas, pelo café preto pingado com graspa (há amigos
serranos que tentam me aliciar ao grupo dos que invertem as doses, pingando
sutis colherinhas de café preto nas generosas taças de graspa, mas minha finada
vesícula me recomenda, do além, a evitar tais excentricidades), o galeto al
primo canto e tantas outras atrações. Ainda não fui convertido ao crem e tampouco
ao codeguin, mas o pien, madama... Ah, o pien, é pérola em rodelinhas a povoar
de estrelas o céu de mina boca! Quem disse que não há poesia na hora de
mangiar?
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 10 de fevereiro de 2020)
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