segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Milagres na própria aldeia


Se santo de casa continua não fazendo milagre, prefiro concluir que o problema não reside tanto no santo, mas mais na incapacidade dos fieis de detectar, reconhecer e se beneficiar com os poderes e os talentos do santo local. Santos e artistas são as categorias que mais sofrem com essa reincidente ideia de que tudo o que  vem de fora é melhor do que aquilo que foi gestado dentro dos limites geográficos de nossa aldeia, como se nossa aldeia não fosse capaz de reunir os elementos necessários para a emersão de genialidades muitas vezes até superiores às dos santos e artistas de alhures.
Dia desses, madama, presenciei in loco a repetição do mantra. Estava eu a aguardar algumas pessoas para uma reunião ali no Centro de Cultura Henrique Ordovás Filho e, como havia chegado antes do horário, aproveitei para apreciar as duas exposições de artes plásticas que ocupavam os espaços do ambiente. Uma, em um corredor, abrigava obras de artistas de Vacaria, compostas por telas que me impressionaram pela contundência, pela sensibilidade, pelo inusitado. A outra, ocupando a área da galeria principal, exibia desenhos e telas de um artista carioca, em um trabalho interessante, mas que me causou pouco impacto. Ao encontrar dois amigos no saguão, comentei sobre as mostras e recomendei que visitassem prioritariamente a de Vacaria, por julgá-la superior. Mal terminei de falar e a dupla se dirigiu direto à mostra do artista carioca. Afinal, era “de fora”. Não sei se de fato a qualidade dos artistas vacarianos era superior à do carioca, conforme eu defendia, mas uma coisa é certa: minha credibilidade enquanto crítico de arte está abaixo das polainas do cachorro.
De minha parte, sigo convicto de que, em se tratando de arte, a Serra faz milagres, sim, com a sucessão de talentos e genialidades que gesta em todas as áreas. Só para embasar, lembremos de Antonio Giacomin com suas aquarelas; de Vasco Machado e suas telas campeiras; de Rafa Schüler e sua guitarra falante; de Cibele Tedesco e Alcides Verza com sua maestria na condução de corais; de Zica Stockmans, Magali Quadros, Cleri Pelizza, João Tonus, Aline Zilli e Jonas Piccoli abrilhantando nossos palcos teatrais; da música de Selestino Oliveira; dos quadrinhos de Eduardo Cardoso; do olhar fotográfico de Mauro J. Bettiol e Liliane Giordano; da escrita de José Clemente Pozenato. E tantos, tantos outros, que chego a me empanturrar com os milagres que os talentos regionais são capazes de produzir na minha alma. Tenho o privilégio de residir em uma região cujos artistas me conectam com o mundo.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 3 de fevereiro de 2020) 

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