Furungando dia
desses em uma caixa de guardados antigos, atrás de alguma velharia qualquer,
pois que sou um guardador de memorabília pessoal, especialmente papeis, deparei
com uma lista compilada por mim no início da década de 1990, na qual eu elencava
o patrimônio adquirido por meio do meu trabalho jornalístico nos primeiros anos
de atividade profissional. Constavam ali o televisor 21 polegadas (sensação da
época, mesmo que ainda trouxesse o tubo acoplado às costas), o refrigerador com
freezer anexo em porta individual (uau!), o aparelho de videocassete (as idas e
vindas à locadora de fitas para disputar os melhores títulos no final de semana
e devolver a pilha com a metade não assistida na segunda-feira integravam o
ritual de tarefas perenes), o Chevette branco 1990 ainda em prestações após a
entrega do antigo Chevette 1982 como entrada (a título de informação: Chevettes
eram veículos automotores bastante populares naquela era, e cumpriam a função
de deslocar seus proprietários de um lugar ao outro, da mesma forma como os
automóveis atuais) e... uma enciclopédia!
Sim, a garbosa
enciclopédia, composta por 20 volumosos volumes encadernados em capa dura, que
ocupavam duas fileiras inteiras da prateleira da sala, integrava a lista do
patrimônio significativo adquirido com o suor de minha testa e de meus dedos
nas teclas da máquina de escrever ao longo dos anos, produzindo textos que
resultavam em salário. Foi uma aquisição longamente planejada, as contas na
ponta do lápis para verificar se as prestações caberiam dentro do orçamento
doméstico que já se comprometia com o pagamento do Chevette 1990 e o
videocassete (este, tão indispensável quanto os demais itens). A chegada dos
volumes, via caminhão de transportadora estacionado defronte à porta do prédio,
causou a mesma sensação de excitação que se apossava de nós, habitantes
daqueles tempos remotos, quando da entrega anual da nova lista telefônica.
Como não
guardei nenhum papelzinho a respeito, sequer lembro que fim levou minha tão
valorosa enciclopédia de 20 volumosos volumes encadernados em capa dura, que me
ensinava tudo sobre o reinado da Rainha Vitória e sobre as principais obras de
Machado de Assis. Sumiu-se no apagadouro que engole as coisas e os fatos que
vão perdendo relevância ao longo do tempo. Sua memória se mantém recuperada em
uma antiga lista guardada em velhas caixas, descoberta ao acaso. Mas onde terá
ido parar todo aquele patrimônio, tanto o físico quanto o intangível, que não
consta nas listas? Para permanecer, o segredo é manter a relevância.
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