Chamava-se “Casa das Essências” e vendia-se ali de tudo:
ingredientes para produzir cerveja caseira preta e branca (lúpulo, licor de
caramelo, glicose, fermento); pós e essências para sorvetes; mostímetros; rolhas
de cortiça de diversos tamanhos; tampinhas de garrafa; aparelhos manuais para
tampar garrafas; ingredientes para bolos e refrescos; corantes artificiais;
ácidos e sais para fazer sabão e veneno para ratos e baratas; pauzinhos de
picolé; casquinhas de sorvete; formas de alumínio para picolé e outras
bugigangas. Pertencia a um tio-avô e era ponto de referência dos colonos de
toda a região do entorno de Ijuí nos anos 1980. Tive ali meus primeiros
aprendizados no mundo do trabalho e no da ética.
Nos anos de 1981 e 1982, nas longas férias de final de
ano, eu e um primo (depois substituído por um amigo), adolescentes, decidimos
aceitar a oferta do tio-avô de cuidarmos da lojinha enquanto ele passava um mês
de férias na praia com sua família, após o Natal. Assim, ele não precisaria
fechar as portas do estabelecimento em janeiro, a freguesia seguiria sendo
atendida e nós ganharíamos um dinheirinho. Passadas as duas semanas de
aprendizado em dezembro, com o tio ensinando como as coisas deveriam ser
feitas, entrava janeiro e ele viajava, confiando o negócio às nossas mãos. Não
havia ninguém para fiscalizar, mas seguíamos à risca os procedimentos
ordenados: abrir as portas às sete e meia da manhã, varrer a calçada defronte à
loja; cobrar os preços estabelecidos em uma tabela; anotar detalhadamente cada
venda em um caderninho; depositar diariamente no banco a féria do dia, na conta
do tio, guardando o recibo e assim por diante.
Nem nos passava pela cabeça fazer diferente, abrir mais
tarde, deixar de varrer a calçada, superfaturar as vendas, deixar de anotar
para embolsar o dinheiro. Tampouco pensávamos em nosso íntimo “puxa, estamos
sendo honestos”. Simplesmente fazíamos exatamente o que combináramos fazer. Certa
vez, me enganei e vendi a preço irrisório uma caríssima forma de alumínio para
picolé. Eu e meu amigo detectamos logo depois o erro e imediatamente decidimos
o que fazer: contaríamos o engano ao tio assim que ele retornasse e pediríamos
que ele descontasse o prejuízo de nossos salários, assumindo o equívoco em
conjunto. Foi o que fizemos. O tio, obviamente, não descontou um níquel sequer e
ainda nos presenteou com um churrasco de agradecimento. Afinal, como apregoava
o nome do local, tratava-se de uma questão de essência. Assim como tudo na
vida, no fim das contas.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 19 de dezembro de 2016)
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