Não se trata de sparagnar
(“poupar”, “economizar de forma avarenta”, cujo significado logo aprende, a
partir do dialeto “talian”, todo imigrante moderno que venha habitar estas
plagas serranas), mas, sim, de saber utilizar até o final a capacidade
operativa que proporciona qualquer produto que se tenha adquirido com o soldi (“dinheiro”) advindo do fruto do
seu lavoro (“trabalho”). Depois de
alguns anos residindo em Uvanova, em Tapariu ou mesmo Vila Faconda, a gente
descobre que há sabedoria no ditado dos antigos, ao alertarem que “qui sparagna
el gato magna” (“quem economiza, o gato come”, em tradução livre e mescolada
deste lavoroso cronista), admoestando aqueles que pensam que vão enriquecer
mantendo a mão fechada a qualquer custo, sendo que, conforme as nonas (e as irmãs das nonas, que, para todos os efeitos, são
as tias), da vida só se leva a vida que se levava e moeda em bolso de defunto não
ilumina parede de caixão (essa inventei agora, ao sabor do entusiasmo). Mas,
apesar disso, esbanjar desmesuradamente sempre foi, é, continua sendo e sempre
será pecado. Certas as nonas.
Penso nisso sempre que chega ao fim um pote de xampu no banheiro.
Reluto em aceitar o advento do esgotamento absoluto e irreversível do conteúdo
daquele recipiente de artigo capilar. As informações na embalagem prometem 200
ml de produto. Mas, será que havia mesmo tudo isso ali dentro? E, se sim, consumi
de fato tudo em meus a cada dia mais esparsos cabelos? Acabou? Morreu? Não mais
xampu? Terei de abrir outro? Custo a acreditar. Destampo a embalagem e meto um
pouco de água dentro, embaixo do chuveiro. Tampo com a mão, chacoalho com força
para que a água lave as paredes do tubo e extraia os resquícios de xampu que nelas
ainda se agarram. Ah, varda só (“olha
só”, um híbrido ítalo-brasileiro), ainda rende mais uma ensaboada. Alora (“então”), mãos à obra, ainda
consigo mais uma lavada. Afinal, salame não dá em árvore, como descobriram já na
chegada os primeiros imigrantes que vieram para cá com o sonho de conquistar a cucagna (“fortuna”) e acabaram dando de
cara com banhados de pissacán (“pissacán”
é pissacán mesmo, lamento).
Não quero sparagnar,
mas também me recuso a esbanjar. É por isso que bebo até a última gota da
garrafa aberta de espumante, mastigo até a última migalha do pão assado na
palha, chupo a casquinha do pistache (onde reside a maravilha do sabor) antes
de colocar fora. Ah, e levo sempre umas moedas no bolso. Pois vai que brilhem
no caixão. Afinal, o seguro morreu de velho. Morreu, como todos, é verdade. Mas
de velho.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro" em 6 de fevereiro de 2017)
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