Meu afilhado, de quatro anos de idade (quase cinco), tem
cheiro de água. Não sou eu quem está dizendo. Quem afirma é ele, convicto. E,
frente a uma convicção, sempre é difícil rebater. Quando ele disse isso,
precisei frear meu ímpeto de imediatamente cheirá-lo, até porque, estava
dirigindo e não cabia, naquele momento, estacionar para efetivar a conferência
olfativa. “Será que ele cheira a água”? Fiquei refletindo sobre o fenômeno
enquanto enfrentava o trânsito e ele tergiversava ali atrás, no cadeirote.
Felizmente, logo tratou de municiar-me com mais informações capazes de amenizar
meu estranhamento e conduzir a bom termo meu entendimento sobre as coisas.
“Sim, dindo, eu tenho cheiro de água. Sempre que minha mãe
passa protetor solar em mim, eu fico com cheiro de água. É por isso que os
gatos não chegam perto de mim. Gatos não gostam de água, e eu tenho cheiro de
água”. Aahh! Tudo sempre tem uma explicação, afinal de contas. Mas... E os
cachorros? Fiquei preocupado com a questão dos cachorros, afinal, ver-se
discriminado pelos gatos em função do cheiro, mesmo que seja de água, me
pareceu bem grave, sendo crucial um paliativo zoológico urgente. “Os cachorros,
só um pouquinho”. Uhm... Certo... Mas... “Só um pouquinho” o quê? (Convenhamos,
sou um dindo muito lentinho, reconheço). “Os cachorros não gostam só um
pouquinho, dindo”! Ah, tá! Ok! Entendido, captei.
Ter cheiro de água não deve ser uma condição muito
corriqueira, especialmente aos quatro anos de idade, quase cinco. Ainda mais
se, em função disso, gatos passem a não gostar de você e cachorros, só um
pouquinho. Mas deve haver uma saída, um consolo. Ah! E os peixes? Peixes gostam
de água! Os peixes, então, devem gostar de você e de seu cheiro de água! Silêncio
no banco de trás. Ahá! Ele não havia pensado nisso! “Você gosta de peixes?”,
pergunto. “Sim, gosto”. Resposta não muito entusiasmada. “De quais peixes”?
Insisto. “Mariscos”, informa, distraído.
“Mariscos”? Opa, estamos entrando em terreno estranho.
Evoquei o “gostar”, na questão dos peixes, pensando em afetividades, tipo as
caninas e felinas, que estabelecemos com bichos de estimação. Mas a resposta me
pareceu gastronômica. E nem imaginava que ele conhecesse a palavra “marisco” no
alto de seus quatro anos de idade (tá, quase cinco). Será que já comeu
mariscos? Eu já comi mariscos? Por que respondeu “mariscos”?
Assim não dá. Estaciono, espicho o corpo e grudo meu nariz
no pescoço dele. Tem cheiro de afilhado de quase cinco anos de idade. Não sabia
que água cheirava tão bem. Ligo a ignição. Em frente!
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro" em 27 de fevereiro de 2017)
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