A vida, às vezes, nos coloca diante de dilemas profundos
que se camuflam sob um aparente véu de trivialidade. Esses pequenos dramas do
cotidiano, quando analisados um pouco mais a fundo, sentados no sofá à noite ou
durante a escovação das costas sob o jorro do chuveiro, podem nos oferecer
vislumbres valiosos a respeito de aspectos constitutivos de nossas próprias essências,
o que se torna uma ferramenta muito útil em ocasiões diversas. Conhecer-se a si
mesmo é um conselho que vem sendo ofertado à humanidade há milênios e sempre é
bom revalidar sua importância, mesmo que seja em crônicas de segunda como esta
que palmilhamos agora juntos, brioso leitor e persistente leitora.
Dia desses de feriado, por exemplo, pulei da cama cedo
(porque feriados foram feitos para serem aproveitados hora a hora e dormindo
não as vejo passar) e logo atinei à ideia de retirar do congelador uma bandeja
de filés de primeira, a serem devidamente trabalhados mais tarde, já
descongelados, na hora do almoço. Um almoço de feriado requer atenções
especiais, porque, afinal, é feriado e feriados são autojustificáveis para
quase tudo. Feito isso, enquanto esquentava a água para o café da manhã, dei
uma verificada na geladeira e na despensa, onde constatei a presença
tranquilizadora de ingredientes suficientes para fazer daqueles filés um
verdadeiro manjar sem ter de ir ao supermercado.
Havia cebola em profusão, havia temperos, havia arroz para
o acompanhamento, havia creme de leite para a eventualidade de querer produzir
um molho, havia óleo de girassol para a fritura, havia palmitos, havia extrato
de tomate, havia mostarda, havia alcaparras, havia pimenta em grãos, havia
champinhons, a coisa estava realmente sortida e bem fornida. Foi daí que
estabeleceu-se o drama. Frente a tantas alternativas, o que fazer com os meus
filés? Um estrogonofe era a pedida que saltava alegre na ponta da fila dos
desejos gastronômicos; mas logo surgia a ideia de um suculento, simples e
certeiro bife acebolado; ou, quem sabe, um filé ao molho de pimentão; ou,
ainda, picar tudo em cubos e preparar um saboroso goulash... ou... ou... ai!
Simplesmente não conseguia decidir. A disponibilidade de
ingredientes levava ao infinito o espectro das possibilidades e meus filés
jaziam ali, perplexos, subjugados à inércia de minha indecisão. Era preciso
obter uma lição daquela situação, e ela não demorou a vir. Guardei os filés
ainda congelados de volta no freezer e saí para almoçar em uma churrascaria.
Aprendizado: feriado não é dia para tomar decisões de envergadura vital.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 24 de abril de 2017)
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