Depois da Era do Gelo, da Era do
Fogo, da Era do Bronze, da Era dos Transportes, da Era das Comunicações,
chegamos, enfim, à atual Era da Ira. Vivemos tempos turbulentos em que a
sociedade optou espontânea e conscientemente pela adoção aberta e ampla dos
sentimentos mais vis da psique humana como condutores de seu destino e
pautadores de seu cotidiano. Odiar é a regra. Odiar é o mantra. Desconstruir,
humilhar, agredir, reduzir, difamar, caluniar, injuriar, xingar, cuspir,
esfaquear, estripar, pisar, gritar, ofender, ironizar, esmagar, torcer o
pescoço, esculhambar, ferir, são os verbos do momento. Compete-se para ver quem
acumula mais pontos na escala da ira.
A fórmula para transitar nessa
espinhosa Era da Ira é simples, e está ao alcance (e sendo praticada) de todos,
independentemente de idade, gênero, cor, raça, religião, escolaridade, conta
bancária. A democracia do ódio está plenamente instalada. Ela se baseia em
princípios básicos como a dedicação ao reducionismo tacanho e às generalizações
rasas (“todos os que pensam e agem diferente de mim são isso ou são aquilo, e,
na maioria das vezes, são tanto isso quanto aquilo e ainda mais aquiloutro”); o
exercício diário da capacidade de xingar o próximo como não se deseja que
xinguem a nós mesmos; o abandono da empatia pelo culto da “odiopatia”; a
convicção de que todos merecem ser odiados, exceto nós mesmos, claro, porque nos
imaginamos ungidos pelo cetro da verdade (e cegados pelas trevas do
preconceito, da intolerância, do desamor e da barbárie).
Tudo isso revela apenas o tamanho
de nossa insegurança interna, do medo de sermos o que somos, de nossa
incapacidade imatura de nos relacionarmos com as diferenças, com o contrário,
com o contraditório. Quem pensa e age diferente precisa ser eliminado,
execrado, desconstruído. É o comportamento primitivo floreado pela roupagem
enganadoramente perfumada da modernidade. O atual dedo nos teclados é a
reconfiguração do ancestral punho no tacape. Homens e mulheres de cro-magnon
fantasiados de carteira de motorista e diploma universitário, incapazes de
camuflar o primitivismo bárbaro que molda e move suas almas bestiais. A
barbárie, quando evocada como modelo de sociedade, como via aceitável a ser adotada,
conduz a um só desfecho: o fim da civilização. A decadência do escopo social é
clara e inexorável, a partir do momento em se opta pelo xingamento ao invés do
debate inteligente, civilizado, fraterno, construtivo e transformador. A Era da
Ira não veio para ficar. Veio para reduzir a pó qualquer possibilidade de
permanência.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 24 de setembro de 2018)
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