Nosso guia chamava-se Ítalo, mas
só descobri seu nome ao pescar de ouvido uma conversa casual que ele travava
com uma colega de jornada sentada no banco de trás, quando nos preparávamos
para desembarcar na primeira cidade prevista no roteiro. “Ítalo”, pensei. Eu
deveria ter desconfiado. Só mais tarde é que me dei por conta de que outra
pista surgira logo na partida, assim que o ônibus amarelo pintado com vibrantes
cores psicodélicas começara a rodar, saindo defronte à sede da Agência de
Viagens Viajantes. “Fafner” era como haviam batizado o veículo, informou-nos o
guia. Mas eu, distraído e ansioso pelo passeio, deixei por isso mesmo e
entreguei o timão de meu destino naquela semana à condução de Ítalo e de Jules,
o motorista que administrava as marchas de Fafner pelas quebradas da cosmopista
transfigurada em infinita highway.
A primeira etapa da mágica e
misteriosa turnê foi a cidade de Antares, na fronteira noroeste do Rio Grande
do Sul. Depois do rápido city-tour, Fafner parou alguns minutos junto à
pracinha central onde ainda existe o coreto em que se desenrolou o verissíssimo
incidente. Dali, seguimos ao cemitério, mas não pudemos entrar porque uma nova
greve dos coveiros estava sendo articulada e decidimos ir adiante, rumo a
Maracangalha, onde adquirimos dúzias de chapéus de palha para presentear na
volta os amigos e parentes a quem infernizaríamos com as sessões de fotos do
passeio. Ítalo revelou ser amicíssimo do rei e por isso fomos recebidos com
taças de espumante em Pasárgada, lamentando que Ciro não estivesse presente. Desviando
da rota da Conchinchina, que fica à esquerda pela Estrada de Santos, rumamos a
Sucupira, onde também questões relativas à inauguração do cemitério agitavam o meio
político local, pelo que preferimos visitar o museu que abriga a famosa coleção
de borboletas, antes que incendiasse.
Retornando ao Sul, passeamos pela
singela Tapariu, onde nos deleitamos com a gastronomia à base de brócolis, e
encerramos o passeio na vizinha Uvanova, presenciando a hospitalidade serrana
adoçada com sagu quente para os conservadores e sagu gelado para os hereges. Ano
que vem farei o roteiro internacional, guiado por Xavier, que inclui a cidade
de Combray (onde degusta-se madeleines geradoras de sonhos nostálgicos),
Macondo (onde se conhece a origem do gelo), uma romaria à Cantuária guiada pela
Mulher de Bath, um banquete servido sobre uma ovalada távola em Albion e a
infinita biblioteca de um mosteiro medieval italiano, em cujas galerias ronda
um constante e indecifrável eco. Pois viajar é preciso.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul,em 17 de setembro de 2018)
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