Em tempos espinhudos, é preciso
redobrar os cuidados, não é mesmo, madama? Um cronista mundano que o diga, uma vez
que, para ser mal interpretado, basta que leiam somente o título de seus textos
para que o bombardeio agressivo venha de cima, de baixo, da esquerda e da
direita, tudo na mesma intensidade e raiva. Não é fácil, madama, é preciso
pisar em ovos, e ainda cuidar para não ser tachado de opressor de ovinhos pelas
patrulhas pró-ovos, e vá a senhora tentar explicar que se tratava apenas de uma
metáfora! Nada apazigua a ira e a cegueira de quem parte de bases fundeadas na
raiva, madama, nadinha. Mas urge tentarmos ajudar a elucidar as coisas, pois
isso faz parte das atribuições do cronista, ainda que mundano. Sendo assim,
vamos tratar de ciências.
Falaremos de uma questão
pertinente aos dias de hoje, que evoca um cruzamento das ciências psiquiátricas
e biológicas. Falaremos da raiva. Nesses tempos raivosos, é importante compreender
as coisas, a fim de obter instrumentos capazes de fornecer proteção contra
elas. É preciso, pois, estudar a raiva. Chamada também de “hidrofobia”, a
raiva, quando abordada pela psiquiatria, evoca um distúrbio caracterizado pelo
temor doentio da água e dos elementos líquidos em geral. O personagem Cascão,
criado por Maurício de Sousa, representa bem a parcela da população que sofre
desse transtorno. Cascão não foge da água, da chuva e do banho porque é desasseado,
mas, sim, porque, talvez, sofra de hidrofobia. Já pensou nisso, madama? Pois é,
e a gente aqui, julgando o pobrezinho do Cascão. Somos rápidos no gatilho em
julgar quando movidos por preconceito e raiva, né, madama? Aquela outra
raiva...
Já biologicamente falando, a
hidrofobia, também conhecida como raiva, é uma doença infecciosa que afeta os
mamíferos, causada por um vírus que compromete o sistema nervoso central dos contagiados.
Pode ser transmitida pelo ser infectado ao sadio por meio de mordidas (cães), arranhões
(gatos), lambidas (morcegos) e xingamentos (seres humanos). Chama-se
popularmente de “raiva” devido ao comportamento agressivo que os indivíduos
adotam após infectados. Cães antes dóceis passam a morder indiscriminadamente e
a ter alucinações. Gatos também. Seres humanos, então, manifestam os sintomas
de formas variadas (todas perigosíssimas). E são difíceis de conter. Não dá
para negociar com quem tem raiva, madama. Não há argumento. É preciso manter-se
longe, longe, longe... E cuidado: é um vírus altamente contagioso. Depois, a senhora
não venha dizer que essas crônicas de segunda não servem para nada...
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 22 de outubro de 2018)
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