O menu era tentador, com todos os
ingredientes presentes: sol radiante, feriado de meio da semana pedindo para
ser transformado em feriadão. Uma oportunidade impossível de ser desperdiçada,
afinal, a vida é curta, polvilhada de pedras no meio do caminho, e, para
enfrentá-las e pulverizá-las, é preciso saber aproveitar os raros momentos de
deleite nos quais recarregamos as forças vitais para seguir adiante. Assim
sendo, partiu praia!
O porta-malas recheado com o
acotovelar das esteiras, dos chapéus, dos guarda-sóis (para tecer latifúndio de
sombra na areia onde abrigar as alvuras de minha pele de fada), das cadeiras
dobráveis, das sacolas térmicas, dos maiôs e congêneres, das toalhas, das
toalhonas e das toalhinhas, dos tubos de protetor solar e dos cremes hidratantes
a envolverem o ambiente do carro naquele característico perfume praiano cujo
resultado é a produção de uma imediata sensação de paz e descompromisso, em
pleno novembro. Tem coisa melhor? Ah, tem, e é isso que vou relatar a seguir.
Soberanamente estabelecido em
meus domínios praianos na areia, guarda-sol plantado e sombreando, atarraxado o
sentante na cadeira e livro no colo, pus-me a observar o mar e a paisagem, extasiado.
Eis que de repente, surgida por detrás de minhas praianças, concretiza-se a
fantasia latente nos mais recônditos pensamentos de um homem sentado à
beira-mar: uma bela loira, com os atributos de sua sensual feminilidade engaiolados
dentro do par de cândidas peças do biquíni, se aproxima e me pede, em voz cantada,
para que eu espalhe protetor solar em suas costas. Ato contínuo, ela se agacha
à minha frente, expondo a superfície da delicada e morna pele que terei de
espalmar em movimentos circulares espalhando o creminho. Resoluto, dou início
ao processo, administrando a velocidade da mão espalhante para que não o faça
tão rápido a ponto de impedir-me de usufruir o momento mágico, e nem tão lento
que cause estranhezas. É preciso também aplicar um certo equilíbrio na pressão
do toque: nem tão brusco a ponto de assustar e nem tão delicado a ponto de não
fazer sentir a mão que espalha nas bronzeantes costas espraiadas. Estou imerso
nessas reflexões, desempenhando dedicadamente a delicada tarefa, quando ouço-a
dizer, em sua vozinha de praia: “Uma das tuas unhas está lascadinha, não é mesmo,
amor?”.
Meu deus do céu, que mico: eu
estava raspando a pele dela! O castelo de areia teria desabado por completo,
não fosse nossa risada cúmplice e em sintonia.
Afinal de contas, esposa que é esposa nunca deixa nada passar em branco,
não é mesmo?
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 19 de novembro de 2018)
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