“Procurem lá fora um trevo de
quatro folhas. Quem achar, traz pra mim que eu dou um prêmio!”. Interrompemos a
algazarra, com que nosso bando de crianças preenchia o salão da festa do
casamento, para tentar decifrar a proposta inusitada feita pelo parente
distante. Esperto, conseguia ele, assim, fazer evaporar-se do salão a nossa
gangue infantil, liberando-o para as danças que deviam começar, recolhida já a
louça do farto almoço. Aquele domingo diferente, na comunidade do interior,
junto à parentada que mal conhecíamos, empilhava elementos para revestir-se da
aura de inesquecível. Não lembro quem estava casando, eu tinha uns oito anos de
idade e o que importava mesmo era a chance de vivenciar experiências ao ar
livre, diferentes daquelas extraídas da rotina citadina de meu quarto, junto à
criançada que ali enganchava amizade fácil.
Nosso foco agora, depois de
alimentar as galinhas pela cerca gradeada do galinheiro com folhas catadas no
pasto e de esfolar os joelhos trepando nos galhos da figueira, passava a ser os
trevos de quatro folhas. Voamos para fora e segui o rumo dos pequenos
habitantes daquelas paragens. Eles deviam saber o que eram trevos, e, de fato,
logo me vi mergulhado em um gramado atapetado por aqueles delicados raminhos
verdes tripartidos, cuja existência até então eu jamais notara. Logo percebi
que a natureza dos trevos consista em três folhas (daí seu nome), e que algum
eventual possuidor de um quarteto delas seria a raridade que o tio solicitava. Existiria?
Agachei-me junto aos demais e fui fuçando... três... três... três... “Puxa, que
difícil”! A brincadeira já começava a perder a graça quando o mais velho da
turma gritou “achei!”, e zarpou como um coelho rumo ao salão, portando um
trevinho na mão, que ostentava como se fosse um tesouro, à cata do tio.
Corremos atrás dele, ao mesmo
tempo excitados e decepcionados com nossa imperícia em toparmos com o dito
trevo de quatro folhas que, afinal, estava ali, à espera do mais esperto entre
nós. Mas a glória do colega mais velho não durou muito. Chegamos a tempo de
flagrá-lo sendo repreendido pelo tio, em função da fraude que cometera: em sua
mão, jazia o trevo, igual a todos os outros, apenas tendo uma das três folhas
partida ao meio pela unha fininha do menino metido a esperto, que agora chorava
de vergonha. Meu súbito herói se desfez em segundos. Ele não só falsificara o
troféu como, pior do que isso, tentara ludibriar a todos nós, seus parceiros de
brincadeira. Teve o azar de ser desmascarado e, nós, a sorte de aprendermos
cedo o valor da probidade.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 14 de outubro de 2019)
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