Incorporar uma
nova tecnologia à nossa vida, que encontre seu lugar entre nossos sempre enraizados
hábitos, não é algo assim tão simples. Por mais que prometam revoluções e mil
vantagens, nem sempre nos deixamos seduzir por um botãozinho e não são poucas
as vezes em que retornamos resignada, acolhedora e pacientemente aos nossos
velhos e bons chinelinhos de pano, só para usar uma imagem amigável e de fácil
entendimento, né, madama, porque nenhum de nós dois pensa em trocar as chinelas
por um par de patins...
Lembro,
milênios atrás, quando ainda morava com meus pais na sempre saudosa Rua dos
Viajantes, na Ijuí de minha infância, do presente esquisito que a família
ganhou certa feita: uma faca elétrica de cortar pão! Ora, bastava enfiar na
tomada o plugue, posicionar o aparelho (que se assemelhava a um aspirador de pó
portátil) com as lâminas sobre o pão d´água já devidamente imobilizado e apertar
o botão. As lâminas iam e vinham como um serrote, exigindo apenas que o hábil
provedor do café da manhã tratasse de ir aprofundando o encravamento sobre a
casca e depois o miolo, produzindo uma a uma as fatias que devoraríamos com o
mel, a manteiga, o schmier (que pronunciávamos “ximia”) de uva... Mas, ao fim e
ao cabo, não rolou. Muito mais fácil, rápido, ágil e eficaz meter a mão na
velha faca de cortar pão retirada da gaveta dos talheres e proceder aos cortes,
sem cabo elétrico, sem busca por tomada. Teve vida curta a faca elétrica, jazendo
esquecida para sempre em alguma das prateleiras da cozinha.
Da mesma forma
as escovas de dentes elétricas. Comigo, não vingaram. Descobri, dia desses, via
contatos internacionais, que fenômeno semelhante se deu nos Estados Unidos,
onde a promessa de uma vida doméstica melhor por meio da aquisição de abridores
de latas elétricos também foi por água abaixo. Claro que, nessa esteira, a saga
dos avanços tecnológicos apresenta, no geral, um “case” de sucesso: migramos
alegremente das charretes para os automóveis de câmbio automático; aposentamos
as máquinas de escrever pelos teclados de computador; as máquinas fotográficas
pelos fones celulares; a pena de pavão pela esferográfica; os telefonemas pelas
mensagens de whats; o estrogonofe pelo risoto de alho-poró com ervas finas; a
Divina Comédia pela nova edição do BBB.
Mas o que
jamais será substituído por tecnologia alguma, madama, é o olho no olho em uma
conversa a dois; um aperto de mão caloroso; um bom livro no colo antes de
dormir; um churrasco em família e com os amigos... Ainda tem coisa na vida que
não se pode medir via megabites.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 27 de janeiro de 2020)
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