sábado, 13 de novembro de 2010

Brilhantes amigas


Gostava quando faltava luz à noite nos idos tempos da adolescência porque isso me permitia sair para fora de casa e admirar a estamparia de estrelas que tomava conta do céu. Não que as estrelas só aparecessem nessas ocasiões, mas era só assim, com as luzes apagadas da cidade, dos postes, das casas e dos edifícios, que era possível vislumbrar e admirar o brilho dos astros, que, no mais das vezes, fica ofuscado, como todos bem sabemos, ou não sabemos mais, ou esquecemos ou jamais soubemos. Gostava daquele ritual, pois me proporcionava uma sensação de pertencimento universal a alguma coisa que nunca soube o que era, e sigo não sabendo direito.
A tecnologia da distribuição de energia elétrica parece ter evoluído com o passar das décadas, uma vez que, hoje em dia, tenho a impressão de que a luz falta bem menos do que no passado. Que bom. Assim, temos garantida nossa novela das oito (que não sei por que diabos começa depois das nove), nossa internet navegante, nosso filme locado, nossa vida eletrônica. As estrelas, vai saber, correm o risco de até nunca terem sido vistas em grandes grupos por olhos de gente mais jovem, mas espero mesmo estar errado nesse pensamento triste.
Dia desses estive numa cidadezinha da Serra e faltou luz por volta das onze da noite, enquanto parte da turma assistia ao Fantástico e eu lia livro num canto distante da voz do Zeca Camargo e dos joelhos da Patrícia Poeta. O adolescente que hibernava em mim me arremessou para fora de casa, para o espanto dos outros. “Que faz aí, Marcos?”, quiseram saber. Respondi, esticando pescoço e olhando para o alto, que aproveitava para rever velhas amigas, quase esquecidas. E não é que estavam todas elas lá? Zilhares delas, piscantes, exibidas, belas. Algumas talvez nem estejam mais lá de verdade, mas suas resplandecências permanecem ali, recompondo o céu de minha lembrança.
Resgatei da memória lições astronômicas de um avô apreciador do céu e revisitei as raras constelações que sei reconhecer lá em cima. Estavam lá ainda todas elas, tanto no céu quanto nas profundezas de minhas lembranças. Resgatei alguma coisa naquela noite de pouca luz e muito brilho.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 12/11/2010)

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