Fiquei sabendo que mandaram a simpática moça do caixa do
mercadinho parar de cantar. Achei uma violência isso que fizeram, essa ordem
anti-felicidade, expedida pelos gerentes contra ela, a mocinha do caixa, que
cantarolava baixinho enquanto passava as mercadorias dos clientes pelo leitor
automático para ir fazendo a soma de seus ranchos. Confesso que o cantarolar da
mocinha do caixa era um dos atrativos que me faziam escolher gastar ali,
naquele estabelecimento, e não em outro, o meu dinheiro destinado às compras do
que iria rechear a despensa de casa. Que presente para as almas das gentes,
atormentadas pela correria desumanizante do dia a dia, poderem ser brindadas
pelo cantar de alguém que trabalha feliz.
Mas agora isso nos foi tirado. Dela, foi cerceada a
liberdade de expressar seu estado de espírito leve e de bem com a vida defronte
à clientela. De mim (e talvez de outros clientes, pois torço para não estar sozinho
no sentimento), foi surrupiado o prazer de deparar, de vez em quando, com
alguém que recusa fechar em torno de si o zíper da dureza humana e ainda
consegue adotar leveza, apesar de tudo, de tudo, de tudo. Ela não pode mais
cantarolar, porque isso “poderia pegar mal”. Claro que a mocinha simpática do
caixa (aliás, por si só, já é tão difícil encontrar simpatias por trás dos
caixas, seja de mercados ou de estabelecimentos comerciais em geral, némesmo?),
claro que ela não expressava sua leveza da alma somente cantarolando. Ela
conversava com os clientes, sorria, olhava no olho, perguntava da vida, contava
da dela. Nada disso mais pode. “Precisa ficar mais na sua”, sentenciaram. Para
não perder o emprego, ela cumpre o ordenado. Ela não perde o emprego, mas o
mercado perde a mim como cliente, por certo, porque não serei conivente com a
injustiça feita a ela e também a mim, que gostava de ouvi-la cantar enquanto
passava pela registradora as bananas, o extrato de tomate e o detergente em pó.
“Ela canta, pobre ceifeira, julgando-se feliz, talvez”, já
dizia o poeta Fernando Pessoa em versos inspirados, quiçá, em alguma outra
moçoila despretensiosamente faceira com a qual há de ter deparado em sua
poética vida lusitana. A ceifeira que cantava em Lisboa não teve seu canto
cerceado, mas, sim, eternizado pela verve poética do poeta. Já a pobre moça do
caixa ali do mercadinho, sofre a censura dos que optam conscientemente pelos
tons de cinza e não tem um poeta que cante seu canto. Tem gente a quem a
felicidade incomoda. Depois, os passarinhos vão cantar no quintal do vizinho e
as pessoas não entendem a razão.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro" em 13 de março de 2017)
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