Não adianta, e a madama bem sabe disso: pau que nasce
torto jamais endireita. É o meu caso, como a amiga leitora já percebeu. Observe.
Noite dessas, presente que me fazia a um evento social concorridérrimo (o
sufixo “dérrimo” é mais chique que o sufixo “díssimo”, são detalhes que fazem a
diferença ao socializar, a senhora atente), transitava eu feito um Titanic periclitante
por um mar de icebergs, equilibrando minha tacinha de champanha que aprendi a
chamar de espumante, quando meu cotovelo esbarrou contra uma pirâmide de
macarons que de pronto foi a pique.
Veio abaixo a refinada estrutura piramidal de plástico que
sobre uma mesinha de centro sustentava e exibia os delicados, coloridos,
deliciosos e disputados (especialmente entre as madamas, madaminhas e
madamoças) docinhos ao estilo francês, que redonda e rapidamente se espalharam
pelo salão, por entre saltos e sapatos, alguns indo parar junto aos rodapés e outros
sendo infeliz e grotescamente esmagados e espetados pelo transitar frenético da
sociedade. Meu desequilibrado gesto antissocial foi flagrado por uma dupla de garçons,
cujas bandejas petrificaram. Boquiabertos, não sabiam o que fazer frente ao
desconhecido (frente ao desastre desconhecido, não frente a mim, que por essas
e outras ando cada vez mais conhecido).
Mas, como já aprendi nessas sociais ocasiões, fiz que não
era comigo. Recolhi o cotovelo desastrado, bebi um gole do champanha, digo, do espumante
e parti rumo ao garçom que no outro canto distribuía fumegantes panelinhas de
louça recheadas com risoto ao funghi, a julgar pelo aroma de cogumelo farejado
por minhas narinas que, nesses eventos, ficam afiadamente antenadas. Em duas
passadas deixei às costas a cena da tragédia, sem presenciar os atos de
salvamento. Isso até ser flagrado pelo olhar fixo e recriminador da senhora,
madama! A senhora, que viu tudo: não só meu ato titânico de abalroar e
desmantelar a pirâmide de macarons, como especialmente a minha imediata e
covarde fuga da cena do crime, uma mão no bolso e a outra na taça da champanha
(do champanha... da champanhe... do champanhe... e afunda-se de vez a classe).
Pois é, madama, a senhora, enfim, conseguiu ver o que há por
trás da máscara: eu não sou um socialaite.
Sou mesmo é um troglolaite. Um
troglodita social. Um protossocial, um ser desprovido de ginga social. Um
cavernossocial. Engomadinho, ensacado em um blaser e perfumado, até que engano
alguns poucos por curtos momentos. Só que é impossível deixar em casa os
cotovelos. O cotovelo de um troglolaite
sempre acaba vindo à tona.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul,em 31 de julho de 2017)
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