Sobre uma coisa somos todos unânimes: unanimidade não
existe. Poucos ou raros são os aspectos sobre os quais é possível deitar o véu
da unanimidade. Os aviões, por exemplo, são uma delas. Afinal, todo o avião que
sobe acabará descendo, de um ou de outro jeito. Sempre descem, é unânime.
Difícil encontrar outra coisa que atinja esse grau de unanimidade. Reflito
sobre isso nessa reta final (ainda pouco menos de um mês) de um inverno muito
estranho na Serra gaúcha. O frio não é unânime. Há quem goste e há quem não
goste, já que somos humanos e não pinguins, apesar de, algumas vezes, eu me
sentir como se fosse um deles quando desavisadamente fixo o olhar no
termômetro.
O frio não só não é unânime como também não é democrático.
Pois que é difícil integrar o grupo dos bem-aventurados que dizem apreciar o
inverno devido aos prazeres que ele proporciona, como uma lareira acesa, um bom
vinho, um passeio a Gramado para ver a neve, o enrodilhar-se em um cobertor, um
chocolate quente, essas coisas. Nem todos podem. E os que não podem, acabam
vivenciando na pele os rigores malvados não só do frio, mas especialmente do
ato de passar frio, essa vergonhosa mazela decorrente das incompetências da
(in) civilização humana. Eu, de minha parte, quanto mais avanço nos anos, menos
gosto do frio. Combato-o com as armas que tenho ao meu alcance e passo o
inverno tiritando e torcendo para que as temperaturas subam.
Bom é saber que não estou só. Dia desses, encontrei um
poema, elaborado provavelmente no alto do inverno serrano, em que o frio é
desancado com ritmo e rima. Adorei. É de autoria do poeta caxiense Alfredo de
Lavra Pinto (1887 – 1939), patrono da cadeira número 8 da Academia Caxiense de
Letras, e só posso imaginá-lo compondo-o envolto em um cobertor, à noite, de
tamancos e carpins, tremendo o queixo e irritado. Intitulado “Inverno”, reproduzo-o
aqui, como uma arma a mais contra as cortantes friagens que nos assolam:
“Inverno, eu voto horror aos teus
rigores,/ Eu abomino, em cólera fremente,/ O teu minuano, a sibilar, algente,/
E a música dos tristes amargores./ Detesto esses nevoeiros e tristores/ Que
trazes, ó Briareu impenitente,/ Para nos torturar, horrivelmente,/ Para nos
imergir num mar de horrores!/ Odeio o teu entono e o teu império!/ Odeio esse
ar glacial, de spleen funéreo!/ Odeio o teu sinistro desvario!.../ E
odiando-te, com toda a força da alma,/ Eu juro que prefiro a ardente calma/ Ao
teu desesperado e intenso frio...”.
Essa impressão deve ser unânime: o frio esquentara bem a pena
do poeta...
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 28 de agosto de 2017)
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