O Palhares insistia em me vir com política. Eu dizia: “bah, Palhares,
política? Política não, né? Já está tudo tão esdrúxulo, tudo tão desavergonhado
no Senado, no Planalto, na Assembleia... Fazem baixezas na Câmara alta, altas
falcatruas na baixa e ainda queres me vir com política? Política não, né,
Palhares. Pede um pão de queijo e me acompanha em um pingado que, pra começar o
dia, melhor mesmo é conferirmos quem apareceu na Social do Pulita e depois sorver
a reflexão do frei Jaime, para ver se renovamos o ânimo para mais um dia de
labuta”.
Dizia isso e o Palhares meneava a cabeça em silêncio, me olhando de lado
com um sorriso mal-acabado na ponta do rosto, como que dizendo que eu não tinha
jeito mesmo, que essa postura passiva é que levava ao caos que agora se
estabelecia e tomava conta. Arrebatava das minhas mãos o Pioneiro e abria direto na coluna da Rosilene Pozza para se
indignar com os embates na Câmara e os ires e vires dos que vão e dos que vêm,
pontuando o andar dos que ficam. “Política, rapaz, política. Tudo passa pela
política. Precisamos sempre estar atentos, acompanhar, fiscalizar. Se não for
pela política, nada vai mudar nesse país”, sentenciava o Palhares, bebericando
o pingado fumegante que aquecia nossas manhãs no entorno da Praça Dante.
O Palhares está coberto de razão, eu sei. Ele defende a essência basilar
do fazer política, que deveria mover genuinamente todos os cidadãos que decidem
ingressar nela, a saber: dedicar-se à construção do bem comum. Os ataques
pessoais, o arrivismo, o jogo de interesses, a corrupção, a prevaricação, são
desvios operados por quem ingressa na vida pública com o único propósito de aprimorar
a privada. A sua própria vida privada. E aí dá no que dá. Quando o
desvirtuamento ocasional se transforma em padrão, as instituições políticas
começam a ser corroídas pelo apodrecimento de suas bases e fundamentos. É aí
que se instala a desesperança, que também precisa ser combatida porque, se ela
tomar conta, a festa dos desvirtuados passa a não ter hora para acabar.
Precisamos de mais Palhares. De cidadãos que não desacreditem no instrumento
civilizatório que é o fazer política com seriedade e abnegação, conforme foi
idealizado em sua origem. E que exijam de seus protagonistas uma atuação
condizente com as bases e fundamentos da atividade pública. Para que as
discussões sobre política possam voltar a ser encaradas como produtivas,
fundamentais e necessárias para o contínuo desenvolvimento da sociedade. Tá certo
o Palhares. Mais um cafezinho aqui pro Palhares, por minha conta.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 9 de outubro de 2017)
Nenhum comentário:
Postar um comentário