Em um de seus romances mais
significativos, “Cécile” (1811), o político, pensador e escritor franco-suíço
Benjamin Constant (1767 – 1830) – que não deve ser confundido com o militar e
político brasileiro homônimo (1836 – 1891), até porque o brasileiro recebeu o
nome em homenagem ao seu predecessor europeu –, induz um de seus personagens, o
senhor de Langallerie (que existiu na vida real), a refletir sobre um aspecto
crucial das questões filosóficas que afligem a humanidade desde que, oriundos
das cavernas, fomos iluminados magicamente pela consciência de nossa própria
existência. Diz assim, o senhor de Langallerie: “Não se poderá negar que existe
um poder, exterior a você, mais forte que você. Pois bem, a única maneira de
encontrar a felicidade neste mundo é estar em harmonia com esse poder”.
A compreensão e aceitação dessa
verdade universal está na base das religiões, cuja missão é promover uma
estreita ligação entre os seres humanos e esse poder superior. As religiões
antigas desmembravam os aspectos divinos em uma miríade de deuses antropomorfos
– as mitologias –, e caíram em desuso frente ao surgimento de um pensamento
mais moderno e poderoso, representado pelas religiões monoteístas, nas quais o
poder superior é imanente a um deus único. Agnósticos e ateus podem identificar
a manifestação dessa força naquilo que classificam como a própria Vida ou a
maravilha inexplicável do Universo e suas inter-relações entre tudo o que
existe. Cientistas de laboratório podem detectar vestígios desse poder nas
profundezas das galáxias e nas miudezas da atividade subatômica. Cientistas dos
divãs conseguem vislumbrar essa força nos conceitos com que trabalham, como o
self, o inconsciente, o subconsciente e outros. Independentemente da forma como
esse poder é decifrado, a verdade detectada pelo escritor francês parece criar
um elo entre todos esses conceitos: a felicidade só pode ser alcançada a partir
do momento em que entramos em harmonia com esse poder, seja lá como cada um o
conceba.
De minha parte, vejo nas
manifestações culturais e artísticas, de todas as espécies, um dos caminhos que
possibilitam esse encontro, por meio da promoção do êxtase obtido da fruição do
sublime. Literatura, música, dança, cinema, teatro, fotografia, canto, escultura,
pintura, desenho e outros são instrumentos também válidos para gerar essa
epifania, daí a importância da defesa constante do valor da manifestação das
artes e da cultura, livres e amplas, em uma sociedade que queira permitir a
busca individual e democrática pela felicidade.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 9 de dezembro de 2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário