Levava como título “Embaraço após
o térreo” e, como data, o hoje longínquo 10 de novembro de 1985, que se perde
nas brumas do tempo, arremessando-nos de volta ao século passado, nos
estertores de um milênio ainda analógico. O texto versava, de modo bem humorado
(o que se tornaria uma espécie de marca registrada dali em diante, mas na época
as madamas, o Argentino, a Dona Esmeraldina, as senhorinhas da hora do chá,
ainda não circulavam pela aí nestes sempre mal-digitados, intermináveis e
asfixiantes períodos, tecidos impunemente por um autointitulado cronista mundano
de segunda), sobre a sempre constrangedora situação que se estabelece entre os
desconhecidos que, ao longo de alguns curtos e intermináveis segundos, se veem
obrigados a compartilhar o exíguo espaço de um elevador, submetendo-se a uma
intimidade física indesejada e constrangedora, apesar de breve. Dava-se, ali, a
minha estreia pública enquanto cronista, na edição daquela data do hoje extinto
jornal “A Razão”, de Santa Maria.
O responsável por aquela situação
foi o professor de Língua Portuguesa do curso de Comunicação Social da
Universidade Federal de Santa Maria (que eu cursava, na época), Orlando Fonseca
(escritor consagrado e cronista fixo daquele jornal), que havia proposto a nós,
alunos, como exercício de aula, a produção de crônicas. Fi-la, entreguei-a e,
dias depois, ao receber de volta o trabalho com nota máxima (quem diria, após
anos com 5 em matemática e 6,5 em biologia!), o generoso professor me perguntou
se eu lhe permitia publicar meu texto na coluna semanal assinada por ele no jornal.
Estupefato, meu subconsciente gritou “sim”, antes que meu consciente,
anestesiado e boquiaberto, deixasse passar o cavalo encilhado. Publicado o
texto, comecei a achar que poderia ser cronista. Dali em diante, passei a
estudar os cronistas de verdade, o que se tornou um hábito cultivado até hoje,
na esperança de descobrir a fórmula da boa escrita e de um dia aprender o que
os mestres ensinam (entre eles, Luis Fernando Verissimo, Rubem Braga, Sérgio
Porto, Leon Eliachar, João Bergmann, Jimmy Rodrigues, Machado de Assis,
Fernando Sabino...).
Agora, neste vindouro 20 de
dezembro, completo dez anos ininterruptos na condição de cronista do jornal
“Pioneiro”, período ao longo do qual publiquei, com esta de segunda, 1143
textos, o que muito me honra. Espelhar o espetáculo da vida cotidiana,
procurando refletir sobre ela a essência do viver, é o desafio que se impõe a
cada semana. Grato aos leitores pela generosidade da atenção e ao “Pioneiro”,
pelo espaço. Sigamos.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 16 de dezembro de 2019)
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