Meu sobrinho/afilhado, de nome
João, encarnou (com maestria, obrigo-me a dizer, descontada a corujisse irremediável
que se apossa do mundano cronista) o papel de José, esposo de Maria, na
apresentação de final de ano ofertada aos pais (e dindos infiltrados) pelos
aluninhos da escola em que ele estuda, erradicando de vez o analfabetismo que
até então o afligia, no alto de seus sete anos de (intensa, criativa e
encantadora) vida. No fim das contas, José era João, durante alguns minutos da
emocionante performance, pontuando o final do ano letivo em uma
confraternização entre escola, professores (alguns deles afogados em beijos e
abraços desferidos pela espontaneidade das crianças que com eles convivem todos
os dias), pais e penetras (que não se constrangeram em, depois, participar do
ataque à mesa de gulodices destinada à comunidade escolar, mas justificamos
nossa famélica atuação imaginando ocupar a lacuna deixada pelas crianças, que,
nessas horas, ignoram os comes e bebes para mergulhar nas brincadeiras e
correrias).
As crianças emocionaram a todos, oferecendo
um espetáculo repleto de surpresas ensaiadas (acrobacias, truques de mágica,
danças, cantos, encenações natalinas) capazes de ombrear as mais profissionais
montagens realizadas pela aí, nos quesitos dedicação, empenho, verdade e
entrega. Acompanhadas pelo violão do professor, uniram as vinte vozes infantis
em duas canções com letras complexas e intermináveis, surpreendendo (ao menos,
a mim) pela capacidade de segurar a atenção de um público adulto (composto por
corujas de várias idades, admito, mas corujas também têm coração, atesta a
biologia animal e os veterinários, permitindo até vislumbrar a existência de
alma em algumas delas). Em um canto do salão onde as encenações tinham lugar,
um estandarte exibia uma frase significativa, que, acredito, explicitava a
essência absoluta da experiência que ali vivenciávamos: “Família, nosso bem
maior”.
Essa é a chave de tudo.
Precisamos saber zelar pelos nossos bens, a começar pela família, que, sim, é o
maior de todos. Nossa profissão, nossos relacionamentos, nossa saúde, nossa
comunidade, nossos projetos, nossa imagem, nossas vidas, são outros bens tão importantes
quanto, e precisam ser tratados com o mesmo zelo, 365 dias por ano, a fim de
que essa sensação sublime que nos invade nos natais seja repleta de significado
verdadeiro. Que era (e segue sendo), ao fim e ao cabo, a mensagem proposta pelo
filho da família formada pelo José bíblico interpretado por meu afilhado
naquela noite memorável. Feliz Natal a todos.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 23 de dezembro de 2019)
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