Venha
cá, madama, vamos falar sobre algo sério, senta aqui do lado. Pois é,
precisamos conversar sobre essa coisa do “diz que me diz que”. Isso! Hein? Não,
que é isso, não estou dizendo que a senhora disse que! Nada disso! Não disse
isso, e é exatamente sobre isso que desejo falar: sobre quem disse o que! Pois
é, a senhora veja, existe hoje muito dessa coisa de dizerem que Fulano disse
tal coisa, sendo que a coisa tal jamais foi sequer aventada pela mente de Fulano,
por mais imaginosa e criativa que ela seja, cabendo, na verdade, a Sicrano a
autoria do dito, que acaba passando batido. Precisamos atentar a essas coisas,
para evitar dizermos que disse o dito quem não o disse. Para fins de abertura
séria da crônica de segunda, direi que precisamos abordar a questão das falsas
atribuições de autoria.
A
senhora veja, madama, como são as coisas. São de tal porte e envergadura que
sequer um cronista de segunda como eu se vê livre de incorrer no erro. Vida
inteira, por exemplo, atribuí a Borges (o escritor argentino, aquele), a bela
reflexão que segue: “Sonhei pelo menos algumas vezes que, no dia em que chegar
o Juízo Final e os grandes conquistadores, juristas e estadistas forem receber
suas recompensas – coroas, lauréis, nomes gravados indelevelmente no mármore
imperecível -, o Todo-Poderoso há de se virar para Pedro e dirá, não sem uma
ponta de inveja ao nos ver chegando com nossos livros debaixo do braço: ‘Veja,
estes não precisam de recompensa. Aqui não temos nada para lhes dar. Gostavam
de ler’”. Lindo, né? Só que a sensibilidade pertence à escritora Virgínia
Woolf, não a Borges. Da mesma forma, as frases erroneamente atribuídas a
Bertold Brecht, referindo-se à perseguição nazista na Alemanha: “Primeiro eles
vieram buscar os socialistas, e eu não disse nada, pois não era socialista.
Então vieram buscar os sindicalistas, e eu não disse nada, pois não era
sindicalista. Depois vieram buscar os judeus, e eu não disse nada, pois não era
judeu. Quando eles vieram me buscar, já não havia ninguém que pudesse
protestar”. Quem disse foi o pastor alemão Martin Niemöller, uma das raras
vozes a se levantar contra a psicopatia assassina hitlerista na Alemanha, na
época. Sabia? Nem eu!
Precisamos
cuidar com as pegadinhas das falsas atribuições de autoria, para não
incorrermos em injustiças e erros. Shakespeare nunca disse “Postar ou não
postar, eis a questão!”. Fernando Pessoa jamais poetou que “o amor é a coisa
mais linda do mundo”, apesar de ser, sim. Cuidado com as pegadinhas, madama!
Essa, a senhora pode atribuir a mim mesmo!
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 13 de janeiro de 2020)
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