Confessa, madama, que a senhora
também ficou escandalizada com a cena protagonizada pelo papa Francisco na
última noite de 2019, semana passada, às vésperas da virada do ano, quando ele
precisou dar dois tapinhas nas mãos de uma peregrina impertinente que o
agarrava pelo braço exigindo bênção, na Praça São Pedro, no Vaticano. Primeiro
lugar, né, madama, bênção não se exige, bênção se recebe (no máximo, se pede
com educação, o que faltou à peregrina, é verdade, porém, facilmente desculpada
devido à emoção que a possuía ao ver-se cara-a-cara com o sumo pontífice, de
quem acabou obtendo foi o privilégio único de receber sumas e santas palmadas).
Todos viram a cena, que rapidamente viralizou mundo afora, via redes sociais e,
depois, mídia tradicional (a senhora mesma já assistia ao episódio papal na
tela de seu smartphone poucas horas depois, em arquivo compartilhado pelas suas
amigas da hora do chá, confessa), gerando espanto devido à perda da paciência
por parte do papa, que, ali, descortinava seu lado humano e, ipso facto, falível (“ipso facto” significa “por isso mesmo”,
madama, a senhora sabe que não resisto a um latinismo ao abordar temas papais).
Mas o espanto generalizado frente
a um súbito arroubo de perda da paciência não se justifica em se tratando da
ação dos protagonistas do cenário do universo cristão, onde os episódios se
acumulam. A meu ver, todas as vezes em que isso aconteceu, a justificativa era
válida. Jesus Cristo, ele mesmo, perdeu a paciência bonito ao entrar em
Jerusalém e deparar com o templo sagrado tomado por vendilhões, aos quais
tratou de expulsar a chicotadas, viradas de mesa e xingamentos. Bem que fez.
Deus, no Antigo Testamento, perdeu a paciência várias vezes com a humanidade
pecadora que ele mesmo havia criado, com consequências trágicas, bastando
lembrar do Dilúvio e da destruição de Sodoma e Gomorra. Não há dúvidas de que o
mau comportamento dos seres humanos é capaz de tirar do sério até mesmo seu Criador.
Quem tinha paciência mesmo era Jó, mas daí já é querer demais de nós todos,
simples mortais, pecadores e papas.
Mas se ao perder a paciência o infalível
papa demonstrou ser moldado pela mesma essência que rege todo o restante da
humanidade, foi ao reconhecer seu erro e vir a público pedir desculpas, já no
dia seguinte, que ele revelou o aspecto que o diferencia de todos nós, madama:
a senhora, eu e todos os bilhões de etceteras que nos cercam. Ele humanamente
errou, sim. Mas, depois, reconheceu o erro, mostrando o caminho, que é o que
esperamos de um papa. Quem de nós segue o exemplo?
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