segunda-feira, 16 de julho de 2012

Escrever para não ser lido


Toda aquela criatura que se dedica à estranha tarefa de escrever obras literárias, sejam elas do gênero que forem, possui a não menos estranha e nada secreta vontade de ser lida pelas demais pessoas existentes. Quando esse fenômeno se concretiza, ou seja, quando sua obra se transforma em livro publicado e se empoleira nas prateleiras das livrarias, sendo adquirida pelos seres humanos que se põem a lê-la (categoria que conhecemos pela denominação de “leitores”), o ciclo se fecha e aquelas tais criaturas começam finalmente a se sentir e a se ver no espelho como “escritores”. Escritor, portanto, é esse ser que escreve, publica suas obras e chega aos leitores por meio delas, sendo lida. Quando isso não acontece, ocorre frustração, e muitas são as pedras que rolam para o meio dessa senda, esburacando-a e tornando as jornadas dos escritores bastante trabalhosas. Ainda mais quando eles são brasileiros, e vou mostrar a razão.
O problema, então, é conseguir chamar a atenção dos leitores e ser lido. Tarefa cada vez mais difícil, se atentarmos ao fato de que é cada vez maior o número de obras editadas no país e que disputam espaço e principalmente a atenção dos tais leitores. É uma competição bastante cruel especialmente para os autores que escrevem em língua portuguesa e que, pior ainda, nascem e residem e produzem no Brasil. Além de terem de disputar entre eles mesmos a boa vontade dos tão cobiçados leitores, os escritores brasileiros precisam primeiro derrotar a atenção despertada pelas obras dos escritores estrangeiros e, depois, conseguir vencer a barreira do preconceito contra a literatura nacional, que infelizmente pauta boa parte das escolhas dos leitores nacionais.
O famoso lugar-comum que reza que tudo o que vem de fora é melhor do que seus similares locais se alia ao adágio popular de que santo de casa não faz milagre para, juntos, infernizarem a vida dos escritores verdamarelos. Tenho amigos bibliotecários e amigos livreiros que várias vezes já me relataram episódios ocorridos nas bibliotecas e livrarias locais, de leitores que se interessam demais por determinada obra, mas imediatamente a refutam quando descobrem que seu autor é caxiense ou mesmo brasileiro. Preferem, obviamente, levar para casa um escritor estrangeiro. Que seria da “Montanha Mágica” ou de “Cem Anos de Solidão” se tivessem sido escritos por mim? Ego à parte e comparações colocadas em seus devidos lugares, a queixa é válida.
Mais um dado. Os livros traduzidos representam 30% do mercado editorial brasileiro, em termos de literatura de ficção. Ou seja: aqui no Brasil, 30% das obras publicadas são de autores de fora. Índice alto se comparado com os Estados Unidos, o maior e mais cobiçado mercado livreiro do mundo, onde apenas 3% dos livros editados são de autores que não escrevem em inglês e precisam ser traduzidos. Na Inglaterra, o índice é de apenas 5%. Ou seja, não somos lidos nem aqui e nem lá fora. A França tem um público leitor menos centrado e mais curioso, consumindo 50% de traduções, mas trata-se de uma exceção.
Como disse recentemente o escritor paranaense Cristovão Tezza em seminário literário promovido pela Biblioteca Pública Municipal em Caxias do Sul, “a literatura não é algo exigido socialmente”, ou seja, não é uma necessidade requisitada pela população. As casas dos escritores não são acossadas por famintas turbas de leitores ávidos por ler seu próximo romance, que o acordam aos gritos de “escreve, escreve, escreve!”. A gente segue escrevendo é de teimoso mesmo. E talvez pelo prazer de semear pérolas para raras estrelas, que é quando se dá enfim a magia.
(Texto publicado na seção "Planeta Livro" da revista Acontece Sul, edição de julho de 2012)

Um comentário:

Página Virada disse...

Oi Marcos,

Grande texto, como sempre. O último parágrafo reflete o que eu também penso sobre o ato de ler. A leitura não é algo exigido socialmente, como qualquer outro esforço intelectual. Idolatramos pessoas de ideias pobres e de comportamento longe de exemplar (se é que isso ainda existe). Por isso, fazem sucesso aqui os peladeiros, pagodeiros, estrelas de novela, etc e tal.

Grande abraço
Guilherme