Não estou preocupado com a possível extinção do objeto livro enquanto
plataforma de leitura ainda presente na vida dos cidadãos do futuro. Conforme
lucidamente resume um colega amigo meu, poeta e cronista, “essa não é uma
discussão válida”. Preocupa-me, isso, sim, é a possível extinção do
bicho-leitor enquanto ser habituado a exercitar a leitura como prática
essencial para sua formação pessoal e instrumento de transformação interior. E
vou além. Leitor não é somente aquele bicho que lê, mas, sim, é aquele que
compreende o que está lendo.
Um leitor que pretenda se dizer leitor precisa ser capaz de compreender o
que está escrito, e isso nem sempre é tarefa fácil (para ser leitor, já vou
avisando, caro leitor, é preciso deixar a preguiça de lado). Por mais simples
que possa parecer, uma sentença pode não estar dizendo exatamente aquilo que
aparenta dizer, e/ou pode estar informando muito mais do que se imagina.
Vejamos o que acontece com a conhecida frase “Vovô viu a uva”. Bastante
simples, não? Mas o que exatamente o autor quer dizer quando escreve essas três
palavras nessa ordem? Primeiro: o que é um “vovô”? A princípio, é um ser humano
do sexo masculino que possui netos. Pode ser. Mas pode também ser uma metáfora
para uma pessoa mais velha que, devido à sua aparência, evoca a figura de um
avô. Supomos, a partir disso, que o personagem da ação é uma pessoa idosa a
observar uma uva. Mas espere. O que é exatamente uma pessoa idosa, que possa
ser metaforicamente chamada de “vovô”? Quantos anos a pessoa precisa ter, no
mínimo, para parecer idosa? Bem, depende dos olhos de quem a vê. Sou idoso aos
olhos de meu sobrinho que mal completou 60 dias de vida. Mas me vejo jovem se
comparado à idade octogenária de meu próprio avô.
Portanto, “vovô viu a uva”, meus caros leitores, encerra mistérios que
vão muito além daquilo que está aparentemente grafado, e isso que ainda nem
avançamos além da primeira palavra da sentença. Ele viu um gomo de uva ou um
cacho inteiro? Uma foto, um desenho ou uma fruta na parreira? Depois disso, me
pergunto... quantos ainda ousarão permanecer na trincheira da leitura?
2 comentários:
Puxa, Marcos, não assusta o povo com tantas conjecturas, heheh!
Abraço!
Nao tem problema..."o povo" certamente nao me lê... rsrsrs
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