Toda aquela criatura que se dedica à estranha tarefa de escrever obras
literárias, sejam elas do gênero que forem, possui a não menos estranha e nada
secreta vontade de ser lida pelas demais pessoas existentes. Quando esse
fenômeno se concretiza, ou seja, quando sua obra se transforma em livro
publicado e se empoleira nas prateleiras das livrarias, sendo adquirida pelos
seres humanos que se põem a lê-la (categoria que conhecemos pela denominação de
“leitores”), o ciclo se fecha e aquelas tais criaturas começam finalmente a se
sentir e a se ver no espelho como “escritores”. Escritor, portanto, é esse ser
que escreve, publica suas obras e chega aos leitores por meio delas, sendo lida.
Quando isso não acontece, ocorre frustração, e muitas são as pedras que rolam
para o meio dessa senda, esburacando-a e tornando as jornadas dos escritores
bastante trabalhosas. Ainda mais quando eles são brasileiros, e vou mostrar a
razão.
O problema, então, é conseguir chamar a atenção dos leitores e ser lido.
Tarefa cada vez mais difícil, se atentarmos ao fato de que é cada vez maior o
número de obras editadas no país e que disputam espaço e principalmente a
atenção dos tais leitores. É uma competição bastante cruel especialmente para
os autores que escrevem em língua portuguesa e que, pior ainda, nascem e
residem e produzem no Brasil. Além de terem de disputar entre eles mesmos a boa
vontade dos tão cobiçados leitores, os escritores brasileiros precisam primeiro
derrotar a atenção despertada pelas obras dos escritores estrangeiros e,
depois, conseguir vencer a barreira do preconceito contra a literatura
nacional, que infelizmente pauta boa parte das escolhas dos leitores nacionais.
O famoso lugar-comum que reza que tudo o que vem de fora é melhor do que
seus similares locais se alia ao adágio popular de que santo de casa não faz
milagre para, juntos, infernizarem a vida dos escritores verdamarelos. Tenho
amigos bibliotecários e amigos livreiros que várias vezes já me relataram
episódios ocorridos nas bibliotecas e livrarias locais, de leitores que se
interessam demais por determinada obra, mas imediatamente a refutam quando
descobrem que seu autor é caxiense ou mesmo brasileiro. Preferem, obviamente,
levar para casa um escritor estrangeiro. Que seria da “Montanha Mágica” ou de
“Cem Anos de Solidão” se tivessem sido escritos por mim? Ego à parte e
comparações colocadas em seus devidos lugares, a queixa é válida.
Mais um dado. Os livros traduzidos representam 30% do mercado editorial
brasileiro, em termos de literatura de ficção. Ou seja: aqui no Brasil, 30% das
obras publicadas são de autores de fora. Índice alto se comparado com os
Estados Unidos, o maior e mais cobiçado mercado livreiro do mundo, onde apenas
3% dos livros editados são de autores que não escrevem em inglês e precisam ser
traduzidos. Na Inglaterra, o índice é de apenas 5%. Ou seja, não somos lidos
nem aqui e nem lá fora. A França tem um público leitor menos centrado e mais
curioso, consumindo 50% de traduções, mas trata-se de uma exceção.
Como disse recentemente o escritor paranaense Cristovão Tezza em
seminário literário promovido pela Biblioteca Pública Municipal em Caxias do
Sul, “a literatura não é algo exigido socialmente”, ou seja, não é uma
necessidade requisitada pela população. As casas dos escritores não são
acossadas por famintas turbas de leitores ávidos por ler seu próximo romance,
que o acordam aos gritos de “escreve, escreve, escreve!”. A gente segue
escrevendo é de teimoso mesmo. E talvez pelo prazer de semear pérolas para
raras estrelas, que é quando se dá enfim a magia.
(Texto publicado na seção "Planeta Livro" da revista Acontece Sul, edição de julho de 2012)
Um comentário:
Oi Marcos,
Grande texto, como sempre. O último parágrafo reflete o que eu também penso sobre o ato de ler. A leitura não é algo exigido socialmente, como qualquer outro esforço intelectual. Idolatramos pessoas de ideias pobres e de comportamento longe de exemplar (se é que isso ainda existe). Por isso, fazem sucesso aqui os peladeiros, pagodeiros, estrelas de novela, etc e tal.
Grande abraço
Guilherme
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