CENA 1: Estou em um supermercado da cidade, concentrado na seção de
hortaliças tentando diferenciar maços de espinafre de feixes de rúcula, quando
sinto um leve toque nos ombros, acompanhado por uma vozinha infantil:
“Nonnoooo”... Viro-me e me deparo com um menininho de pouco mais de um ano de
idade empoleirado no carrinho de supermercado dirigido por sua jovem mãe. Minha
surpresa é acompanhada instantaneamente pela decepção do garoto ao perceber que
eu não era o avô ao qual ele carinhosamente se referia, e pelo rubor das faces
da mamãe que pede desculpas pelo engano do filhote. A ramificação dos grisalhos
por todos os lados de minha cabeça certamente confundiu o menino que me viu com
cara de nonno, mesmo eu estando de costas.
CENA 2: Desço do carro rumo a uma entrevista napPrefeitura e cruzo
apressado a área do estacionamento comum à Câmara de Vereadores e à sede do
Executivo Municipal. Está frio, visto blazer e sapato social e carrego uma pasta
recheada com material de trabalho. No meio do trajeto, vejo-me infiltrado, sem
querer, em uma fileira de dezenas de alunos do ensino fundamental, conduzidos
pelas professoras rumo à Câmara. Excitados, fazem comentários sobre os prédios
dos poderes públicos, observando tudo o que se passa ao redor. Ao me avistar
entre eles, um garoto, mochila às costas, puxa o braço do coleguinha à frente,
aponta para mim e exclama: “Olha, Mateus, olha ali: um vereador!”.
O que acontece é que nós, seres humanos, julgamos pelas aparências. E
isso, desde muito cedo, pois aprendemos a criar padrões cerebrais a partir da observação
do mundo e vamos compartimentando tudo de acordo com nossas vivências pessoais,
o que nos faz supor reconhecer mais tarde um avô a partir de uma cabeleira
branca e um vereador no sujeito que anda apressado no pátio da Câmara. Somos
assim. Precisamos diariamente domesticar o mundo e vergá-lo aos conceitos
próprios que moldamos para ele. Isso nos dá uma segurança relativa, porém,
facilmente nos induz ao erro.
Ou isso, ou os meninos vaticinaram meu futuro. Votem no Nonno Kirst em
2036...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 24 de agosto de 2012)