“Com um grande poder, vem uma grande
responsabilidade”. A frase, carregada de verdade e de sabedoria, ficou famosa e
ganhou o mundo a partir da década de 1960 do século passado, ao ser proferida
por Tio Ben ao seu sobrinho, o adolescente Peter Parker, já na revista de
estreia do Homem-Aranha (uma história em quadrinhos), nos Estados Unidos. Tio
Ben estava prestes a morrer pela ação de um bandido tresloucado que minutos
antes o recém superpoderoso aracnídeo, alter-ego de Peter, deixara fugir ao
vê-lo cometer um roubo à mão armada, “por não ter nada a ver com aquilo”. O
bandido escapa e acaba assassinando o tio do Homem-Aranha, que até então só
estava usando seus novos poderes para proveito próprio. Depois da tragédia,
Parker passa a vestir o manto de “herói” assim que decide usar com grande responsabilidade
o grande poder que recebera por acaso, ao ser picado por uma aranha radioativa
em uma aula de química, no Ensino Médio.
Mas aí vem a questão (pois são necessárias questões para embalar em
responsabilidade estas crônicas de segunda). E se o Destino, esse semeador de
incongruências, tivesse direcionado a picada da aranha radioativa a um
destinatário desprovido do alcance da sabedoria de um Tio Ben e destituído de
força de vontade, haveria super-herói salvando o mundo das ações do mal? Ora, no
universo dos quadrinhos, quando um superpoder é conferido a uma pessoa sem
caráter, ela logo se transforma em supervilão, a ser combatido pelos
super-heróis, imbuídos de ética e senso de justiça. Mas o que aconteceria se
esses grandes poderes fossem conferidos a um preguiçoso, a um niilista
ególotra, sem a mínima vontade de vestir uma máscara e sair do sofá da sala a
perseguir bandidos e distribuir sopapos?
Felizmente, nenhuma aranha radioativa picou a mão de Bartleby, o
escriturário insubordinado e ocioso criado pelo escritor norte-americano Herman
Melville (1819 - 1891), que entrou para a história da literatura entoando o
mantra “prefiro não fazer”. Ele concorreria em inatividade heroica com o
niilista absurdamente estático Meursault, criado pelo escritor francês Albert
Camus (1913 - 1960) em seu livro “O Estrangeiro”. Nenhum deles usaria o grande
poder com grande responsabilidade, isso é certo. No âmbito da vida real, que é
o cenário em que a ficção pretende fazer incidir os reflexos daquilo que
elucubra, é preciso ardentemente almejar que aqueles raros privilegiados
dotados com o acesso aos grandes poderes saibam agir com grandes
responsabilidades. Mas, pelo que se tem visto, esse tipo de coisa é mais
presente na ficção.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 7 de maio de 2018)
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