(Ocre, bem ocre, igual ao ocre pintado na lareira da Rua dos Viajantes)
Vamos direto ao assunto, sem meios-tons. Você conhece o ocre? Pois o ocre
surgiu em minha vida no longínquo ano de 1975, quando meus pais resolveram
reformar a casa em que morávamos na Rua dos Viajantes, em Ijuí, e pintaram a
parte externa da lareira da sala com uma cor estranha, que identifiquei como
sendo marrom. “Por que pintaram de marrom?”, perguntei, engarupado na
curiosidade insaciável que definia a essência de meus nove anos de idade (a
julgar por isso, jamais saí dos nove anos de idade). “Não é marrom, guri, é
ocre”, responderam meus pais, causando-me espécie, porque respostas
surpreendentes sempre me causaram espécie (essa indecifrável expressão, aliás, também
me causa uma certa espécie).
Assim, com o surgimento do ocre no meio do caminho, deu-se uma ampliação
na paleta das cores que até então figuravam em meu restrito universo cromático,
delimitado pelos 12 matizes existentes na minha caixinha de lápis-de-cor (que
traiçoeiramente incluía os lápis preto e branco, o que eu julgava uma sacanagem
do fabricante). Extasiado com a descoberta daquela insuspeitada cor cravada ali
na nossa casa, não perdia a oportunidade de aproveitar a visita de parentes e
adultos em geral para apresentar-lhes a estrutura da lareira apontando com o
dedo e perguntando: “Ó, sabe que cor é aquela? É ocre”, pelo que me olhavam de
canto de olho e, mudos, consolidavam suas suspeitas de que eu não era mesmo
desse mundo.
Porém, nem tudo era cinza. No amplo quintal da casa (houve um tempo na
história da humanidade em que as crianças interagiam juntas e ao ar livre nos
quintais das casas), às vezes brincávamos de uma variação do “pegador” (ou
“pega-pega”), que consistia em formar um círculo ao redor do líder, cuja incumbência
era gritar aleatoriamente o nome de uma cor, ao que os demais saíam em
disparada tentando encostar-se em algo colorido naquele tom, a fim de ficarem
imunes à pegada. Na minha vez de ser líder, gritava “ocre”, deixando todos
paralisados e pasmos, tontos como baratas, sem saber para onde correr, o que me
propiciava abater um a um com minha inclemente pegada. Desde pequeno aprende-se
a usar o conhecimento a nosso favor, mesmo que seja o ocre.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de setembro de 2012)
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