quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O bom cigarro do Argentino


Tem por apelido Argentino um velho amigo meu, cujas manias esquisitas lhe são o atributo mais saliente. Na última carta que me enviou (Argentino mora longe e ainda escreve e remete cartas por Correio), se diz preocupado com essa onda antitabagista que discrimina os fumantes e relega o hábito do fumo à categoria de práticas execráveis a serem alvo do desprezo e da condenação sociais. Mas Argentino, que apesar de ser mesmo um argentino, jamais fumou e sempre protagonizou campanhas pessoais relativas à conscientização dos malefícios do tabaco. Que lhe teria havido?
A solução do mistério foi chegando junto às linhas traçadas das cartas subsequentes. Meu amigo confidenciou-me que, meses atrás, vivenciou pela primeira vez em sua vida a experiência de adquirir um maço de cigarros. Mas não os fumou nenhum, tampouco acalenta a intenção de fumá-los. O que passou a fazer a partir disso foi adotar o hábito, que sempre invejou aos fumantes, de finalmente ter uma boa desculpa para retirar-se do ambiente em que se encontra, ou deixar de fazer o que está fazendo, para obter um pouco de paz e sossego a sós, com a desculpa de “sair para dar uma fumadinha”.
“Na repartição, ó caro amigo Marcos, agora posso me ausentar uns 15 minutos sob o pretexto de ir fumar, e vou-me para a rua, caminhar em volta da quadra, olhar as pessoas, respirar o dia, sentir a pulsação da existência. Isso renova meu ânimo, recarrega as energias vitais de que preciso para seguir adiante no trabalho. Dissesse eu ao chefe que vou dar uma saída para respirar ar fresco durante 15 minutos, seria visto como preguiçoso e desleixado com o trabalho. Com a desculpa do fumo, vou saindo e tirando do bolso a carteira – que permanece intacta –, e ninguém me incomoda”, rabisca ele na carta.
Respondo-lhe também em carta que louvo a decisão tomada. Primeiro, porque faz bem à sua saúde; depois, porque, assim, não fumando os cigarros da sua inesgotável carteira, Argentino evita emporcalhar as ruas, praças, gramados e calçadas com as nojentas baganas de cigarro que denunciam a passada dos fumantes de verdade. Ele é o único caso que conheço em que o cigarro faz bem à saúde física, mental e ambiental.
 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 2 de novembro de 2012)

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