Tem por apelido Argentino um velho amigo meu, cujas manias esquisitas lhe
são o atributo mais saliente. Na última carta que me enviou (Argentino mora
longe e ainda escreve e remete cartas por Correio), se diz preocupado com essa
onda antitabagista que discrimina os fumantes e relega o hábito do fumo à
categoria de práticas execráveis a serem alvo do desprezo e da condenação
sociais. Mas Argentino, que apesar de ser mesmo um argentino, jamais fumou e
sempre protagonizou campanhas pessoais relativas à conscientização dos malefícios
do tabaco. Que lhe teria havido?
A solução do mistério foi chegando junto às linhas traçadas das cartas
subsequentes. Meu amigo confidenciou-me que, meses atrás, vivenciou pela
primeira vez em sua vida a experiência de adquirir um maço de cigarros. Mas não
os fumou nenhum, tampouco acalenta a intenção de fumá-los. O que passou a fazer
a partir disso foi adotar o hábito, que sempre invejou aos fumantes, de finalmente
ter uma boa desculpa para retirar-se do ambiente em que se encontra, ou deixar
de fazer o que está fazendo, para obter um pouco de paz e sossego a sós, com a
desculpa de “sair para dar uma fumadinha”.
“Na repartição, ó caro amigo Marcos, agora posso me ausentar uns 15
minutos sob o pretexto de ir fumar, e vou-me para a rua, caminhar em volta da
quadra, olhar as pessoas, respirar o dia, sentir a pulsação da existência. Isso
renova meu ânimo, recarrega as energias vitais de que preciso para seguir adiante
no trabalho. Dissesse eu ao chefe que vou dar uma saída para respirar ar fresco
durante 15 minutos, seria visto como preguiçoso e desleixado com o trabalho.
Com a desculpa do fumo, vou saindo e tirando do bolso a carteira – que
permanece intacta –, e ninguém me incomoda”, rabisca ele na carta.
Respondo-lhe também em carta que louvo a decisão tomada. Primeiro, porque
faz bem à sua saúde; depois, porque, assim, não fumando os cigarros da sua inesgotável
carteira, Argentino evita emporcalhar as ruas, praças, gramados e calçadas com
as nojentas baganas de cigarro que denunciam a passada dos fumantes de verdade.
Ele é o único caso que conheço em que o cigarro faz bem à saúde física, mental
e ambiental.
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