sábado, 27 de outubro de 2012

A lucidez de Lucélia


(Isso aí, Lucélia, a gente não quer só comida...)

A atriz Lucélia Santos deu uma aula de lucidez durante entrevista concedida aos jornalistas que integravam a bancada do programa “Roda Viva”, na Tevê Brasil, na noite da última segunda-feira. Intensa, corajosa e sincera, fez jus, com suas declarações, à visão que o escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues tinha dela, ao conceituá-la como não sendo apenas uma pessoa, mas, sim, “uma força da natureza”. E que força!
Sim, Lucélia, no surpreendente viço e frescor de seus 55 anos (parece ter não mais de 35), é um redemoinho de ideias e opiniões sobre a vida e a sociedade que merecem atenção e convidam a refletir sobre os rumos que estamos tomando enquanto humanidade. A certa altura da entrevista, a atriz (uma verdadeira livre pensadora que, de “escrava”, só tem relação mesmo é com o papel que a consagrou na televisão, 36 anos atrás) discorreu sobre a pretensa conquista social obtida pelos últimos governos federais pós-regime militar, que se converteu na criação de uma classe média com poder de consumo capaz hoje de realizar sonhos materiais como a aquisição de automóveis, de casa própria e de parafernália eletrônica como televisores, notebooks, tablets, câmeras fotográficas digitais etc. Mas ao mesmo tempo em que gastam e consomem, os integrantes dessa estrondosa maioria de cidadãos (acompanhados pelas demais classes sociais brasileiras) se afastam dos processos de edificação pessoal só possíveis de serem conquistados por meio da educação, da cultura e da arte.
“Que espécie de sociedade de consumo desejamos, afinal? Os brasileiros, travestidos de consumidores, estão virando cidadãos acéfalos, burros, aculturados, superficiais, ocos. Deveríamos estimular e incentivar o surgimento de uma classe consumidora de cultura. O que eu desejo para as pessoas é isso: mais cultura, mais arte, mais leitura, mais natureza”, metralhou, certeira, a atriz. Lucélia Santos sonha em ver os brasileiros lendo livros, frequentando o teatro, apreciando exposições de arte, refletindo sobre a existência, gerando e debatendo ideias, refinando seus espíritos, transformando-se em cidadãos transformadores. Ela é uma lúcida voz solitária a semear em um deserto cada vez mais amplo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 26 de outubro de 2012)

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