Aconteceu na praia, neste veraneio. Eu estava na fila do bufê do restaurante que servia comida vendida a quilo, com o prato na mão, mareado de fome após horas matinais calientes à beira-mar, entupindo os ouvidos com a areia arremessada pelo Nordestão e lutando contra o contorcionismo das páginas do Informante que não paravam quietas devido ao vento. Eram duas da tarde e meu conceito de paraíso era um prato farto de comida quentinha para rebater a caipirinha, as espigas de milho e o pastel de camarões raros e tímidos que haviam aberto meu apetite desde as dez da manhã, sob a sombra do guarda-sol que se transveste de guarda-chuva nesses dias nublados que sorridentes nos aguardam a cada novas férias.
A bandeja repleta de bifes à parmegiana, lá na outra extremidade do bufê, era a minha principal meta assim que a fila andasse, mas a velhinha à minha frente pescava zelosa os grãozinhos de arroz com os quais lentamente ia forrando seu prato até que, não sei se motivada pelo excesso de curry despejado sobre as coxinhas de frango dispostas logo adiante, subitamente, ela inspirou o ar que a circundava com a boca aberta e espirrou com estrondo e vontade sobre quase todo o bufê. Ainda pude ver se materializarem no ar algumas gotículas que foram delicada e lentamente pousando sobre o feijão mexido, as polentas fritas, o brócolis refogado com molho de nata, as coxinhas de frango ao curry (maldito curry), a mandioca com farofa e o arroz. Quis acreditar que os bifes à parmegiana lá do outro lado escaparam de serem salpicados, mas sinceramente não ousei arriscar.
Devolvi o prato à pilha que se encontrava ao meu lado no mesmo momento em que várias pessoas atrás de mim na fila faziam o mesmo. Havia uma providencial carrocinha de churros estacionada ali do outro lado da rua e, ao lado dela, outra de crepes, que seriam a salvação de todos nós que não desejávamos nos alimentar de comida recém-salpicada. A velhinha salpicou o bufê e anestesiou minha fome. Talvez eu possa ter descoberto um bom método para impor dietas a quem não consegue resistir aos apelos de um bom cardápio. Salpique o rango de quem você ama e que está ligeiramente acima do peso. É batata. Mas por favor, poupe os bifes à parmegiana.
O contista russo Anton Tchekhov tem um conto intitulado “A morte do funcionário”, no qual um humilde servidor público vai ao teatro e não consegue evitar um espirro, por meio do qual salpica a nuca de um general sentado azaradamente à sua frente. “Eu o salpiquei”, pensa, horrorizado, o pobre funcionário, que se colocará em maus lençóis devido ao inusitado ocorrido. Vale como dica de leitura para o restante das férias, período no qual estou passando a salgadinhos e biscoitos retirados de embalagens hermeticamente lacradas.
(Crônica publicada no jornal Informante, de Farroupilha, em 4 de março de 2011)
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