Depois que surgiram os aparelhinhos que permitem baixar livros pela internet, teve início a paranóia de que os livros no formato como os conhecemos, impressos em papel, vão acabar. É só o que se fala nos meios que lidam com a questão da leitura. Debates e mais debates, teses e contrateses analisadas por apocalípticos (que acham que a catástrofe da extinção dos livros é iminente e irreversível) e integrados (que dizem que a coisa não é tão feia assim e até existem pontos positivos no processo). Eu, de minha parte, tenho chamado a atenção para um outro fator que corre paralelamente a essa discussão: minha preocupação maior é com a possível extinção da raça dos leitores antes do desaparecimento dos livros.
O que vejo na sociedade deste século XXI e no perfil das pessoas que ela está moldando é um afastamento da capacidade e do ato de ensimesmar-se, ou seja, de estarem consigo mesmas durante pelo menos alguns momentos do dia. Conforme o Dicionário Aurélio, “ensimesmar” é o mesmo que “meter-se consigo mesmo” e, em minha opinião, esse ritual é o principal pré-requisito para a pessoa poder desenvolver o ato e o hábito de ler. A extinção do ensimesmamento é, ela sim, a maior ameaça à leitura, e não a internet, os e-books, a televisão, os videogames, os autoramas. O agito que molda a personalidade das gentes do mundo atual (e não me refiro apenas às novas gerações, mas à maioria dos que habitam o mundo hoje) faz as pessoas desconhecerem o silêncio e nem imaginarem o que significa mergulhar em seu próprio mundo interior.
Aprender a ler significa muito mais do que dominar a captura da compreensão do sentido existente em um texto impresso. Aprender a ler é algo mais profundo: requer o destemor de ter contato íntimo consigo mesmo. De invocar minutos de silêncio; de desobstruir o cérebro de estímulos visuais e sonoros, do desafio supremo de afastar-se dos e-mails, do facebook, do orkut, do twitter, do youtube, do BBB por um par de horas. De desligar o iPhone. De amansar o celular. De não estar para ninguém por alguns instantes e dar a si próprio o supremo prazer de sua visita: “Olá, Eu; vim ver-me. Como tenho andado? Vim ler Comigo um pouquinho”.
As pessoas hoje em dia têm a ânsia de estarem conectadas com outras pessoas e com o mundo por meio da virtualidade proporcionada pela internet. Em contrapartida, desejam ser também alvo do interesse dos outros e de todo o mundo: querem ser seguidas pelo twitter, querem que seus perfis eletrônicos sejam acessados, querem que seus blogs sejam lidos. Para isso, no entanto, esquecem que é necessário serem elas mesmas pessoas interessantes, às quais seja excitante seguir, com quem seja estimulante conectar-se. E como se molda uma pessoa interessante, com quem valha a pena estar conectado? Existe só um meio: lendo. Lendo, lendo, lendo e lendo. E depois, refletindo sobre o que leu, iluminando-se e gerando novas ideias. Aí sim, somos interessantes e despertamos nos outros o desejo de se conectarem conosco.
Antes, para que essa mágica aconteça, é necessário conectar-se com seu próprio mundo interior por meio dos prazerosos momentos de ensimesmamento, que aplacam o espírito, levam ao autoconhecimento e conduzem às leituras e à iluminação pessoal. Experimente essa ideia.
(Texto publicado na seção Planeta Livro, na edição de março de 2011 da revista Acontece Sul, de Caxias do Sul)
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