O engraçado é que não vi ninguém
questionar, até agora, como é que ficou a cara de Deus com essa coisa de o papa
simplesmente pedir as contas, descer do trono de São Pedro e abandonar a missão
sagrada que, via de regra, deveria lhe ser vitalícia. Sei não, mas tenho a
impressão de que alguma coisa mudou mesmo foi lá em cima, junto “ao Cara”, e
não somente aqui embaixo, na organização secular da Santa Sé, e ninguém parece
ter atentado a isso.
Porque assim, que eu me lembre,
desde os tempos da catequese e lendo atentamente os trechos bíblicos que nos
eram recomendados a fim de refletirmos sobre as mensagens ali contidas, não era
muito seguro ficar querendo dar uma de teimoso e bater pé contra os desígnios
de Deus, não. Não era bem assim receber o chamado dEle, ou escutar a Sua voz
ordenando no deserto ou surgindo no cume das montanhas, e dizer “ó, Cara,
assim, ó, comigo não, tá ligado?”, e sair de fininho para ir jogar bola no
campinho. Não havia isso de recusar convite divino, até porque ficava implícito
que não se tratavam de convites e, sim, de ordens. Ordens de Deus. E, depois de
aceitas (que não havia outra escolha), era preciso ir até o fim,
independentemente das consequências (que o diga aquele que nasceu em Belém).
Lembro, por exemplo, de Jonas
que, de repente, foi sacudido pela voz de Deus ordenando que ele, justo ele,
pô, viajasse até Nínive para instar seus habitantes, que pecavam muito, a se
arrependerem porque senão a coisa iria ficar feia para eles. Jonas tentou
passar o abacaxi e escapuliu para um barco que rumava ao alto mar, mas não teve
choro nem vela. Deus o encontrou (“arrá, estás aí”!), produziu uma violenta
tempestade marítima que jogou Jonas para fora da embarcação e ele foi engolido
por uma baleia. Engolido por uma baleia, cara! E ficou lá dentro por três dias,
até finalmente ceder à vontade de Deus (“tá, tá, eu vou a Nínive”) e ser
expelido, sujo mas são e salvo, na praia (felizmente, perto de Nínive) e
cumprir sua missão.
Nessa esteira, poderíamos citar
os exemplos de Abraão, Noé, Moisés, Jó e muitos outros que viram de perto a
contundência das vontades divinas. Felizmente para Ratzinger, alguma coisa
parece ter mudado ali acima das nuvens, e quero crer que foi para melhor.
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